Kaboom, de Gregg
Araki (EUA/França, 2010)
por Filipe Furtado
Fantasia
da pós-adolescência
Smith tem 18 anos, saiu recentemente de casa para
morar no dormitório da faculdade, curte rapazes (em especial seu
companheiro de quarto), mas não recusa garotas, e tem uma imaginação
muito fértil. Descrever o protagonista deste novo trabalho de
Gregg Araki é uma porta de entrada mais útil do que uma descrição
dos detalhes da sua trama, meio ficção cientifica apocalíptica
meio comédia sexual adolescente, já que se há algo de notável
em Kaboom é justamente a forma com que Araki nos instala
num universo imaginário de um rapaz como Smith. Kaboom
sugere uma adaptação de algum conto escrito por algum rapaz de
17/18 anos com imaginação efervescente, recheado de sexo, situações
absurdas, nenhuma sutileza ou qualquer coerência narrativa. É
um material perfeito para Gregg Araki que, desde os seus tempos
de “bad boy do new queer cinema”, sempre gostou de trabalhar no
limite do excesso e descontrole, e numa caligrafia de desleitura
de gênero. Por todos os seus absurdos, Kaboom é um filme
ancorado numa concepção de mundo muito forte, parte derivada dos
interesses habituais do seu cineasta, e parte da figura do seu protagonista.
Até por isso, resulta ao mesmo tempo numa fantasia pós-adolescente,
e também num filme sobre fantasias pós-adolescentes.
Araki se mostra no seu mais desenvolto sempre
que a sucessão de eventos fora de controle coloca seus filmes
à beira do colapso, mas desde Mistérios da Carne, de longe
seu filme mais bem recebido, podemos perceber um esforço maior
por parte do diretor em normatizar seus procedimentos. Kaboom
não foge completamente disso, mas mostra um Araki muito mais à
vontade em trabalhar entre uma firmeza de registro e o gosto pelo
material desviante que primeiro fez seu nome. Se o anterior Smiley
Face termina tornando suas idiossincrasias pouco mais que
uma piscadela dentro do formato da “comédia de maconheiros”, Kaboom
impressiona com a crença que exibe no seu universo particular
e a disposição de levar todas as suas premissas ao limite – e
nisto Araki é certamente muito ajudado pelo seu jovem elenco, que
compra toda a proposta do filme com grande disposição.
Ao
mesmo tempo em que não existe uma ação crível ao longo de Kaboom,
todos os seus movimentos são registrados como autênticos. Não é um
efeito fácil de se conseguir, mas Araki domina tão bem este seu
imaginário, e deposita nele tamanha convicção, que nada gira
em
falso. Kaboom
como um todo está previsto
dentro desta lógica de fantasia pós-adolescente, fixado plenamente
num certo lugar-nenhum da quase idade adulta (entre outras coisas,
é um belíssimo filme sobre sair de casa para ir faculdade). Não
apenas um filme que se passa na cabeça de alguém, ou outra tolice
do gênero, mas algo muito mais complexo, que é expor e explorar
certo imaginário com seu olhar de mundo, filtrado por uma série
de influências e todas as dúvidas e tensões que o acompanham.
Araki faz este retrato do imaginário da forma mais justa possível,
abraçando tudo que ele abarca. Se o filme parece destinado a ser
um certo cult (digamos que seja a versão blu-ray
de Repo Man, do Alex Cox), é porque Kaboom se interessa
somente em nos instalar nele mesmo.
Setembro
de 2010
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