Juventude,
de Domingos de Oliveira (Brasil, 2008)
por Fábio Andrade Obra
em processo
É bastante conhecida a afirmação do
cineasta francês Jacques Rivette de que toda ficção seria um documentário sobre
sua própria realização. No caso de Juventude - mais novo filme de Domingos
Oliveira - é exatamente essa a sensação que transborda ao longo de toda a projeção.
Desde seu retorno ao cinema, com Amores, Domingos Oliveira vem construindo
uma obra que parece interessada justamente em seu próprio nascimento, em sua revelação
como encenação. Juventude leva ao ápice um processo que já aparecia intensificado
em Carreiras: estamos, sobretudo, a ver artistas realizando um filme. Aqui,
esse caráter de obra em processo ganha dois importantes elementos diegéticos:
além de Domingos Oliveira representar, em tela, um diretor, há, também, a presença
pontual de uma câmera mini-dv que, em um tripé, registraria o “making of” do encontro
daqueles três amigos. A repetição do tão falado esquema de produção B.O.A.A. (baixo
orçamento e alto astral) adiciona, também, outros dados documentais: desde a câmera
solta e improvisada de Dib Lutfi, até à própria textura do vídeo digital – tão
associada ao documentário contemporâneo – permanece a impressão de que estamos
assistindo não a um filme acabado, mas à descoberta de um. Se,
por um lado, isso dá às atuações um encantador clima de laboratório, falta à câmera
um rigor constante que confira alguma solidez visual à obra: assim como temos
belos contra-plongés dos artistas siluetados frente ao céu noturno,
vemos sequências inteiras que se desquilibram em uma mise-en-scène imediata, parcamente
improvisada em planos e contraplanos que, por diversas vezes, mal chegam a montar.
Mas se, em um momento, ouvimos um diálogo repleto de palavras tortas, um corte
pode ser suficiente para que Domingos Oliveira salve a cena com uma fala genial
(em seus momentos mais dedicados, ele prova que continua dono de um dos melhores
textos do cinema brasileiro). Impera, em Juventude, essa sensação de que
toda fala é escrita enquanto é filmada, e toda nuance de atuação é alcançada em
um processo que vemos correr em tempo real. Esse desequilíbrio
constante dá ao filme uma particularíssima característica: é obra que interessa
igualmente por seus erros e acertos. Simplesmente por termos a impressão de fazermos,
também, parte desse processo, dessa busca dedicada de um grupo de veteranos estreantes
pela nota alta, pela emoção mais pura, pela imagem mais brutamente expressiva.
“Preciso achar um final feliz pra peça que vou escrever sobre nós três”, diz a
personagem de Domingos Oliveira, ao fim do filme. Com abertas afetações que vão
da nascente alaranjada ao flerte constante com a pieguiece das canções (recurso
que parece mais belo quanto mais se aproxima do apelativo), Domingos Oliveira
parece tentar filmar um velho bordão: a vida que passa diante dos olhos momentos
antes da morte. Nesse processo acidentado e irregular pela busca de um filme,
acaba encontrando um que é, ao fim, genuinamente tocante. Setembro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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