in loco - II jornada de cinema silencioso Uma
obra-prima sobre o ridículo do homem por Paulo Santos
Lima O Grande Desfile (The Big Parade),
de King Vidor (EUA, 1925)
No
cinema americano dos anos 20, a câmera fixa já era, grosso modo, um procedimento
da convenção, servindo justamente à fluência narrativa, à invisibilidade do aparato,
pura adoção de um fazer mais que bem sucedido. Em 1925, King Vidor, sem trair
a gramática do cinema narrativo, utiliza planos fixos e a devida concatenação
entre os mesmos para subverter e transtornar certos códigos comumente decifrados
nos filmes comerciais. Mistura um humor negro, quase cômico, temperado com romantismo,
para então tratar dos efeitos medonhos da guerra e sua estupidez homicida. O
Grande Desfile, obra-prima do cinema americano, teve seu DNA nas fórmulas
dos filmes de guerra feitos desde então, mas seu valor está realmente nos efeitos
revolucionários que uma obra de cunhagem mainstream pode fazer espraiar.
O plano fixo, no caso, é de orgânica importância num filme que, mais que apedrejar
a guerra, atira contra a hipocrisia do lado de cá, ou
seja, na platéia de civis que legitimam o heroísmo. Portanto, O Grande Desfile
é uma questão de campo e contracampo. De um lado, o que seria chamado de glorioso;
do outro, pernas decepadas, vidas estilhaçadas. Nesse jogo, King Vidor começa
o filme mostrando seu protagonista, Jim (John Gilbert), visto por família e noiva
como um dândi alienado num momento “em que todos têm de ser úteis” até o instante
em que ele decide, tolamente, se alistar para lutar na 1ª Guerra Mundial. A seqüência
seguinte mostrará Jim e seus colegas de batalhão, todos proletários rudes, numa
igualdade suprema, à espera da batalha e tirando esterco da praça, lavando cuecas
e afins. Jim se apaixonará sem o menor freio por uma aldeã francesa e passará
amargos momentos nas trincheiras, que, humor sempre à vista, faz da desgraça algo
ridículo, patético, estrambótico. Ainda
que seja formidável uma cena como a do alemão baleado por Jim que, por sua vez,
acolhe o rapaz em seus últimos instantes, dando-lhe cigarro e o ombro para o tombo
derradeiro, mais complexo e total é o plano que dá início à seqüência da guerra
na história, intitulada “o grande desfile”: uma estrada longitudinal à tela, coalhada
de caminhões militares e sobrevoada por aeroplanos, em estatura de megaprodução.
Logo vemos, numa estrada lateral, vários soldados feridos retornando do front,
fazendo contracampo no mesmo enquadramento aos soldados protagonistas. mas é mesmo
no plano-espelho que virá mais tarde, avesso ao plano introdutório do “grande
desfile”, que estará toda a riqueza formal de O Grande Desfile. O aparato
de guerra, visivelmente diminuído e exaurido, ganha tal leitura sobretudo pela
experiência que tivemos na longa e dura seqüência da batalha. Vidor coloca à nossa
frente pranchas de imagem e, pelas brechas entre uma e outra, traz o inferno total. Não
é à toa a situação de Jim que, revisitando aqueles que julgavam aquela barbárie
como um campo de glórias e flores, opta por retornar à França e encontrar a sua
francesinha Melisande. O final feliz está na tela, mas o corajoso Jim, que lutou
bravamente e um tanto equivocadamente, perdeu uma perna. Sua silhueta, chegando
ao encontro da amada, é o desengonço total, um homem cuja imagem a guerra tornou
ridícula, fora do prumo. Obedecendo ao cinema de gênero que já dava largos passos
nesse ano de 1925, com narrativa de transparência total e final feliz, King Vidor
subverte na disposição de elementos e assuntos trazidos pela imagem. Na soma dos
planos e ações, temos em princípio um galã em primeiríssimo plano que se torna,
ao final, um espectro no fundo do quadro, uma quase inserção gráfica de andar
curto-circuitado. Honrando o cinema fundado na tradição
de Griffith, o grande desfile não é um ou outro momento, mas o conjunto de todos
os momentos filmados e projetados na tela, de todos os desfiles, grandes ou pequenos,
subterrâneos ou evidentes, idealizados por King Vidor para este seu longa. Grande
filme. Grande obra-prima. O Grande Desfile. Agosto
de 2008
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