in loco - cobertura dos festivais
Filme Jardim Atlântico, de Jura Capela (Brasil, 2012)
por Rafael Castanheira Parrode

Mapa de lugar nenhum

Filme Jardim Atlântico é assumidamente uma alegoria sobre um Brasil desalinhado, desajustado, indefinível. Essa idéia já fica clara durante os créditos de abertura, quando vemos araras em revoada sobre um mapa do Brasil completamente desconfigurado. Jura Capela se filia de maneira direta a certos elementos do cinema novo, do cinema marginal e do tropicalismo como centro dessa iconografia, mas bebe também da fonte do cinema surrealista e político de Buñuel, ou de Pasolini – incorporados principalmente pela figura do minotauro. Essas referências imagéticas tentam se desdobrar na tela para que o filme gere um sentido, se coloque como metáfora sobre esse Brasil pós-moderno, tão cheio de contradições e paradigmas.

É interessante observar como o filme se alinha a outras produções cinematográficas brasileiras recentes, principalmente vindas de Pernambuco (Era Uma Eu, Verônica; Boa Sorte, Meu Amor), enquanto totalização desse período histórico, valendo-se da metáfora que representa o todo pela parte. São todos filmes que lidam com a dicotomia das paixões e dos desejos (afetivos e sexuais) como reflexos de nossas realidades sociais e políticas - tendência tão bem explicitada e desconstruída por Ismail Xavier em Alegorias do Subdesenvolvimento, ao abordar aqueles oito filmes decisivos para entender o Brasil e o cinema daquele tempo - e que Capela busca retomar em seu filme como forma de representar e entender o Brasil de hoje.

Em entrevistas sobre o filme, o diretor afirma que o amor pelo Brasil é um amor falso. “Tem o amor pelo futebol, pelo carnaval, pelas riquezas naturais, mas o que fazemos com tudo isso? Se eu torço para outro time, o outro pode me matar. Olhamos para o país dizendo eu te amo, mas vou te roubar”. Esse sentimento é de fato a base para que Capela construa suas metáforas sobre o Brasil sob a perspectiva de um triângulo amoroso, que provoca a crise de um casal de namorados. Ele a ama doentiamente, mas acha que ela não sente o mesmo por ele. Cego pelo ciúme, ele só enxerga nela a traição.

Filme Jardim Atlântico está apontando o dedo, é claro, para uma classe média alienada, que ora divaga sobre o amor livre, hedonista, vivendo o prazer desmedido e sem pudores do carnaval regado a sexo e drogas, ora se volta ao conservadorimo pudico e retrógrado, desencadeando um grande mal-estar. É a mesma noção do mal-estar definido por Bauman, ressaltando que a presença da pós-modernidade se instaura antes de tudo como um mal-estar – o nada, o vazio, a ausência de valores e de sentido para a vida – levando o sujeito a entregar-se ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. E é dessa forma que Jura Capela constrói toda uma tese sobre o Brasil contemporâneo. Formalmente, o filme se constrói de várias maneiras, seja como farsa, seja como delírio, seja como reprodução realista e crítica de numa realidade, seja como narrativa clássica. Capela tenta criar um caleidoscópio desnorteado, sem saber de fato se posicionar enquanto cinema que quer reproduzir um discurso sócio-político sobre um país tão complexo como o Brasil. É como se, impondo ao filme uma diversidade estético-narrativa, o diretor estaria de fato condensando em imagens o Brasil que ele constrói para si. Um Brasil que tem artistas como Otto e Céu, Pitty e Marttin, Guisado e Catatau, todos eles sob a batuta de Pupillo que assina a trilha sonora do filme.

Olhando com desdém para essa fatia da sociedade brasileira – com a pretensão de ser um filme sobre o Brasil - Filme Jardim Atlântico pouco de fato reflete sobre quem de fato somos. O equívoco do diagnóstico está em criar uma bolha dentro da bolha que o filme parecia querer estourar. Capela não propõe questões, não chega de fato ao cerne da reflexão que o aflige, e por isso não provoca no espectador o incômodo necessário para que faça ecoar qualquer “crítica” e “constatação” sobre a sociedade brasileira. Nessa tentativa de ser totalizante, através de uma metáfora tão redutora, Filme Jardim Atlântico termina por abafar um Brasil repleto de dicotomias, de chagas, dores, de tantos problemas e tantas soluções, incapazes de serem reduzidos a alegorias ou metáforas sobre pessoas vazias, veículos de testes que nada têm a nos dizer.

Dezembro de 2012

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