Irma Vap - O Retorno, de Carla Camurati
(Brasil, 2006)
por Eduardo Valente

Teatro de homenagens

De saída, Irma Vap – o Retorno já deixa clara sua homenagem ao teatro: seja no constrangedor agradecimento dos atores e diretora aos patrocinadores, no vídeo tosco que abre a projeção (que até poderia ser uma simpática forma de eliminar o excesso de logomarcas que caracterizam os sempre mendicantes créditos da produção de cinema no Brasil – só que todas elas aparecem logo depois!); seja na agradável cena que abre o filme, com o enterro do fictício produtor da peça que originou o filme (O mistério de Irma Vap), cena cheia de participações especiais e citações de textos teatrais. No entanto, quando, já quase no final, o filme atinge seu clímax e a diretora passa simplesmente a filmar trechos longuíssimos da mesma peça (sem nenhuma função no efetivo desfecho da trama do filme), o que se percebe é que ali há mais que homenagem: há por um lado a submissão, e por outro o frustrado desejo de não assumi-la – uma tentativa de fugir do “reencenar a peça para o cinema”, e terminar por fazê-lo mesmo assim.

Se o teatro é a arte do ator, o cinema tentar reproduzir este sistema é algo de alcance muito limitado – especialmente quando essa arte do ator está ligada ao teatro cômico e do improviso, como era o caso da peça original, em seus onze anos de carreira com os atores Marco Nanini e Ney Latorraca. No cinema, se pode sempre haver improviso na filmagem, por outro lado não há espontaneidade da reação dos atores ao riso (ou à ausência deste) do espectador. Portanto, como a relação ator-platéia não se dá na mesma hora que a atuação, por isso mesmo o projeto de um cinema teatral (se entendido por este caminho), está automaticamente fadado ao fracasso. E é este o cinema que Irma Vap – o Retorno aparenta busca.

Pior ainda: o improviso dos atores não se dá na forma livre que vemos, por exemplo, nos melhores momentos de um sempre caótico Renato Aragão. É o improviso planejado: a piada trabalhada em cima do improviso sobre o texto. E aí chegamos ao pior dos pontos: para se improvisar em cima de um texto é porque supomos a existência deste mesmo texto. Irma Vap – O Retorno, ao querer fugir de simplesmente “reencenar” a peça citada (o que seria, de fato, um equívoco), cai num equívoco pior ainda: urde a partir dela uma trama cujos personagens, entrechos dramáticos e narrativos, e principalmente piadas, simplesmente não existem. Nem por um segundo há um real interesse, seja de suspense, seja cômico, seja dramático, nas idas e vindas daqueles arremedos de personagens pela tela.

Sobra ao espectador esquivar-se do que é francamente constrangedor (a trilha sonora de sintetizadores e teclados), escorar-se no que é minimanente distrativo (Marco Nanini interpretando a irmã louca – que pelo menos não se limita à esquisitice de um drag show, como a mãe feita por Latorraca), e acima de tudo lamentar que a mesma diretora que tinha feito da peça original um divertido documentário (o curta Bastidores), e de uma ópera um filme com inegável simpatia e efetiva confluência de linguagens (La serva padrona), tenha acabado por se equivocar tanto nesta homenagem a um dos grandes sucessos teatrais do teatro brasileiro recente – que teria sido melhor homenageado com a nossa memória.


editoria@revistacinetica.com.br


« Volta