in loco - cobertura dos festivais

Em Minha Memória (In Memoria di Me),
de Saverio Costanzo
(Itália, 2007)
por Eduardo Valente

Nem tanto ao céu...

A instituição da religião católica parece um daqueles temas sobre os quais é praticamente impossível filmar/dizer algo de novo. No entanto, Saverio Costanzo mergulha no tema, mais especificamente nos seus aspectos seminaristas, com um olhar que parece paradoxalmente auto-consciente e ignorante, ao mesmo tempo, de tudo que já se filmou/disse sobre o assunto.

O caminho cinematográfico que Costanzo decide trilhar é o do middle brow, ou seja: nem a ousadia de um A Hora da Religião de Bellochio, nem a sátira de um Almodóvar ou o cinema de gênero exploitation (seja sexual ou de horror). E se sentimos algum desconforto com o filme talvez seja justamente por esta opção “correta” de aproximação, que pouco arrisca seja para que lado for, ficando num desconfortável meio termo. Por um lado, abraça sem medo uma construção de personagens absolutamente caricatural, com um trabalho de atores coadjuvantes que está bem perto do cinema de gêneros: do padre superior com aparência de oficial SS ao noviço (nomeado “Fausto”) atormentado pelas dúvidas, que não realiza qualquer gesto em cena sem o peso do mundo sobre seus ombros. Por outro lado, se esmera num trabalho de câmera e luz que prima pelo rebuscamento formal, que ao mesmo tempo em que alcança alguns planos de beleza plástica inegável, empresta ao filme uma auto-importância, uma solenidade que parece várias vezes ridícula frente ao trabalho com os personagens.

Desde os primeiros planos do filme, fica claro que Costanzo não se interessa por uma aproximação puramente naturalista com o ambiente: primeiro, ao usar o artifício da fala em primeira pessoa do protagonista face ao espectador; depois ao entrar no ambiente do seminário com uma imagem claramente simbólica (algo muito parecido, por exemplo, com a mulher cercada pelas mãos algemadas de Limite). Depois dessa “introdução” bastante chamativa, o filme migra para o espaço do seminário, onde parece desde cedo fascinado pelas possibilidades arquitetônicas do local, seja numa exploração de ambiente próxima do cinema de horror (atmosfera que parece sempre próxima de aflorar no filme), seja como metáfora da instituição religiosa como prisão, como uma instituição quase militar.

O problema dos simbolismos no filme de Costanzo é aquele que Tarkovski já apontava em seu livro Esculpir o tempo: será que pode ser considerado poético um cinema que não deixa dúvidas sobre os seus significados? Fazer uso de uma pretensa “linguagem poética” cuja leitura seja direta não seria um contrasenso? No seu desejo de colocar em questão a problemática da vocação religiosa (e por tabela do impulso religioso de forma geral), Costanzo esbarra nessa barreira quase intransponível: querendo ser “justo” com seus personagens e explorar vários aspectos do tema, acaba sendo quase sempre óbvio e um tanto repetitivo, principalmente no que se refere à sua estrutura narrativa. Falta, em suma, um pouco mais de fé no espectador e de paixão no seu cinema, sempre frio e analítico, como seu protagonista.

Setembro de 2007


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