plantão do YouTube Imagens
ordinárias Roteiro afetivo pelo
universo do videoclipe por André Brasil (para Cezar Migliorin e Edu Jesus)
Na
paisagem audiovisual contemporânea, o videoclipe é uma arte menor. Não menos
pregnante, nem menos rentável. Não menos potente: menor. Como se diz do modo
menor em música.
Como
se diz de um mosquito que insiste no vidro,
ou
de uma vida qualquer.
O
videoclipe não é um produto audiovisual. Porque não são nossos olhos nem nossos
ouvidos o que ele visa. Trata-se, antes, de uma máquina de afetos. Sim, há muito,
o afeto se tornou maquínico.
Ao
capitalismo, não interessa mais nos ensinar a olhar, nem como nos comportar. Ele
prefere aprender a olhar por meio dos nossos olhos e a viver o nosso estilo
de vida.
Os
videoclipes são filhos bastardos. Não são criados por ninguém e não pertecem a
ninguém: sobre eles, os diretores fazem declarações de desdém, dizem que foi por
dinheiro. As bandas parecem entediadas. Os críticos não vêem e não gostam. Os
caras das gravadoras não sabem o que é. A televisão veicula.
Você
também pode ser um.
Há
videoclipes sublimes.
Eles
são ainda melhores quando ordinários.
Fazer
um clipe deve ser como fritar ovos.
Na
onda dos reality shows, a televisão não sabe muito bem o que fazer com
os clipes. Hoje, nos diz Alain Ehrenberg, a TV abandona o espetáculo de variedades
para se dedicar ao espetáculo de realidade. O videoclipe é o que resta
dessa mudança. Algo anacrônico, portanto.
Videoclipes
se criam, ressoam, reverberam, refratam.
Muito
antes da ciência, o videoclipe descobriu como produzir clones.
Da
montagem
à
modulação, da cidade às redes, da dialética ao looping. O videoclipe
é a manifestação dessa passagem.
Mais
do que uma apropriação do trabalho, o capitalismo contemporâneo – dito cognitivo,
imaterial – opera uma expropriação da linguagem e de suas virtualidades. Torna
a linguagem uma técnica, e a experiência, uma especialidade. O videoclipe é um
lugar privilegiado onde esse processo se realiza.
O clipe
não pode se configurar como espaço critico. Ao manter-se na encruzilhada entre
o profissional e o artesão, entre o consumidor e o amador, ele pode apenas ser
algo ordinário.
O
videoclipe está na passagem do consumo ao uso. Por isso, ele é, ainda, um lugar
de profanação.
Profanar
é trazer novamente ao alcance das mãos o que fora sacralizado.
Um
bom videoclipe está entre a poesia e a conversa fiada.
Roberto
Carlos, um de seus inventores.
O
videoclipe é uma máquina paradoxal: sua temporalidade é aberta, distendida, porosa.
Seu presente é extremamente presente, e, imediatamente, anacrônico. Porque o tempo
do videoclipe é um tempo artificial e afetivo.
Como
desdobrar um plano-sequência de um take de 30 segundos?
O
videoclipe cria o espectador, mas o mantém à deriva. O espectador do videoclipe:
um flaneur hiperativo. Entre o zappeur e o zombie.
O
deslocamento que o clipe produz é um quase-nada no universo das imagens.
Como uma parada para o cigarro e o café.
Sim, o videoclipe deve se modular em modo menor. E manter-se
raro, em seu anacronismo.
Sua
rarefação, sua ligação afetiva – pop – com a vida ordinária: isso pode ser tão
político quanto o silêncio que o precede e que virá logo depois.