O Homem que Engarrafava Nuvens,
de Lírio Ferreira (Brasil, 2010)

por Francis Vogner dos Reis

Entre o destino histórico e o destino humano

Resgatar Humberto Teixeira é uma maravilha. Certamente pra quem não o conhecia (mas conhecia suas letras) e viu o filme de Lírio Ferreira, hoje as músicas gravadas por Luiz Gonzaga ganham outra feição. Em O Homem que Engarrafava Nuvens há um ágil documentário sobre o compositor Humberto Teixeira, o Doutor do Baião, feito com imagens de arquivo e alguns depoimentos de artistas. Mas dentro de O Homem que Engarrafava Nuvens há mais um filme. Esse outro filme dentro do filme é sobre a filha que tenta conhecer um pouco mais do pai Humberto Teixeira. Acontece que o documentário sobre o artista fala de sua importância e termina com uma celebração internacional do baião na capital cosmopolita do mundo, New York. É um documentário até ágil, porém sem brilho. O segundo, sobre a filha que procura sanar os vácuos sobre o falecido pai, tem força, mas não consciência dessa força.

Mais do que um filme que conte a história de Humberto Teixeira – sua obra e sua trajetória – a busca de Lírio por meio da filha de Teixeira (a atriz e produtora do projeto, Denise Dumont) é a do “lugar” de Humberto Teixeira. E que lugar é esse? Na verdade, lugares. O seu lugar no Baião ao lado de Luiz Gonzaga, na música brasileira moderna do Tropicalismo e pós-tropicalismo, na cultura do país (porque além de letrista teve uma carreira política), e, não bastando o seu “destino histórico”, delineia-se também o seu “destino humano” (ou seja, seu lugar no mundo e na vida) já que uma das frações mais fortes, porém não melhores, de O Homem que Engarrafava Nuvens é a do Humberto Teixeira pai e marido. Como em seu outro trabalho solo, Árido Movie, Lírio Ferreira tem dois filmes (que não se entendem) em um: embrenhados em um só, é muito evidente a fragilidade do que é frágil e a potência do que é forte aparece limitada.

Nessa tentativa de retrato totalizante do personagem, o equívoco maior é justamente o de uma certa confusão na orientação do ponto de vista. Qual (ou quais?) Humberto Teixeira se busca? Qual é a motivação dessa busca? No que diz respeito ao Humberto Teixeira “artista” o objetivo parece claro, mesmo que sejam bastante questionáveis as estratégias de legitimação deste por meio de uma saudação geral, o que, no fim das contas, acaba sendo mais um culto à personalidade do que uma aproximação mais acurada de sua obra. Não que haja problema no culto em si (ele inclusive é merecido e a história da cultura se faz disso também), mas o problema é que acaba muitas vezes não se fazendo a distinção – ou uma junção mais cuidadosa - entre autor e obra.

Já no que diz respeito ao Humberto Teixeira “pai e marido”, Lírio não consegue se sair tão bem, apesar de que há aqui um material humano muito mais interessante do que o protocolar documentário biográfico. O problema é que existe uma mediação clara (nem exatamente uma oposição) entre as partes do filme que falam do artista e do homem de família. Na primeira seqüência, Denise Dumont vai ao jazigo do pai. É claro o interesse da filha em investigar alguns vácuos de sua convivência com ele. Mas esse olhar para a filha que procura reconstruir uma memória do pai volta vez ou outra no filme, o que resulta na parte mais fora do tom em O Homem que Engarrafava Nuvens: a conversa, em close up, de Denise Dumont com sua mãe em Nova York. No geral, o filme da filha sai perdendo, porque absolutamente desorientado. A história de Humberto Teixeira se sobressai e abafa os conflitos da filha, que aparece quase como um detalhe inconveniente e deslocado.

Janeiro de 2010

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