O Homem ao Lado
(El Hombre de al Lado),
de Mariano Cohn e Gastón Duprat (Argentina, 2009)
por Eduardo Valente
Só
dói quando rimos
O Homem ao Lado
espelha, em muitos sentidos, seu personagem-título: é incômodo,
mal educado, desagradável, mas, principalmente, impossível de
ser detido na sua capacidade de penetrar as entranhas de um imaginário
de classe. De fato, dentre suas várias inegáveis qualidades, talvez
a que mais impressiona neste O Homem ao Lado seja justamente
a capacidade que ele tem de poder ser visto no futuro como um
verdadeiro catálogo de hábitos e comportamentos, mas principalmente,
de objetos e espaços partilhados por uma determinada classe sócio-cultural
(a intelligentzia burguesa) – classe esta que é essencial
para se entender o mundo de hoje porque, embora numericamente
pequena, ela determina em grande parte a construção da imagem
de um mundo onde, mesmo que não necessariamente vivamos (principalmente
no Terceiro Mundo latino), certamente se propõe como um ideal
a ser vivido. Planos como o de “adoração ao Blackberry” ou a inserção
(pela primeira vez, que eu tenha visto) do indefectível apitinho
do Nextel em cena mostram o quanto os diretores são capazes de
passar do sutil ao frontal nessa “missão” que se impõem de esquadrinhar
um mundo.
É
impossível não pensar, vendo O Homem ao Lado e a forma
como seus diretores parecem dissecar (e o termo é exato, porque
é realmente tratado como um mundo morto) este ambiente, no cinema
de Claude Chabrol. No entanto, não é uma simples questão de temática
ou universo: já desde os muito sagazes créditos iniciais, a câmera
dos diretores argentinos revela aquela capacidade, tão firme no
recém-falecido mestre francês, de parecer estar sempre no único
lugar onde cada determinada imagem poderia ser capturada de forma
a atingir seu efeito máximo. Nesse sentido, chama especialmente
a atenção a maneira como Victor, o vizinho, é filmado a partir
da janela, num uso perfeito de lentes e enquadramento para torná-lo
ao mesmo tempo ridículo e ameaçador. Que o personagem paire o
tempo todo neste limbo é opção precisa, porque nos coloca ao lado
do olhar da família – um lugar, claro, muito incômodo de se estar,
mas que é o único “lugar justo” em que o filme pode se colocar.
Sabendo de antemão que boa parte de sua platéia partilha do mundo
desta famíila, o filme nos colocar deste lado da parede significa
entender que é um lugar onde a alteridade só entra mesmo a marretadas
(e aí vale dizer que O Homem ao Lado representa um complemento
bastante firme ao que O Invasor, de Beto Brant, nos propunha
há quase dez anos).
No
entanto, por mais firme que sejam todos estes aspectos do filme,
é lógico que seria completamente mentiroso não dizer que O
Homem ao Lado é, antes de tudo, um filme muito engraçado.
Seus diretores contam para isso com duas atuações inspiradas de
seus protagonistas, mas contam principalmente com essa capacidade
de saber que o humor mais cáustico é aquele que se coloca num
lugar de eqüidistância entre o objeto e o espectador. Ou seja:
se perto demais, é impossível rir tanto de si mesmo; mas, se longe
demais, este riso se torna por demais seguro, por demais fácil,
por demais inofensivo. E inofensivo é algo que O Homem ao Lado
nunca é, lembrando ao cinema latino quão forte pode resultar essa
capacidade de ser desagradável, e de rir de si mesmo ao sê-lo.
Pois que este mesmo filme termine em tragédia, parece decorrência
apenas natural de uma piada que só funciona porque sabemos, sem
nunca ter dúvida disso, de que ela não tem tanta graça assim,
no fim das contas.
Setembro de 2010
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