Virginia (Twixt), de Francis Ford Coppola (EUA, 2011)

fevereiro 8, 2014 em Em Cartaz, Filipe Furtado

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O estranho caso de Virginia
por Filipe Furtado

Virginia é um filme amador. Se a recente série de filmes de baixo orçamento de Francis Ford Coppola pós-aposentadoria, aos quais o próprio diretor se refere como “filmes de estudante”, aponta justamente para um desejo de renovação pela precariedade, então Virginia é o ponto maior desta fase. O despojamento que Coppola busca aqui é tocante – de certa forma, estamos bem próximos de um filme como Vocês Ainda Não Viram Nada (2012), de Alain Resnais, no qual se busca ao mesmo tempo depurar os elementos cinematográficos até o essencial, mas também afirmar uma crença no imaginário.

É bastante significativo que, para Virginia, tal afirmação surja por meio de um voto de pobreza, uma substituição do maquinário hollywoodiano que seu cineasta manipulou como poucos por uma aposta em soluções e efeitos entre o artesanal e o antiquado. Esta recusa é o que o filme tem de mais expressivo. No seu clímax, Coppola inclui tanto uma das explosões de sangue mais artificiais do cinema recente, como uma transição no seu ápice tão grosseira como agressiva. Ambos, à sua maneira, são elementos designados para afastar o espectador e afrontá-lo no que seria uma ideia de bom gosto. Pois Virginia é todo marcado por uma recusa tanto ao profissionalismo do grande cinema americano como, sobretudo, ao contemporâneo. Coppola não só opta por filmar um pequeno conto vagabundo de terror (é bastante significativo que o cineasta eleja como um dos seus alter-egos mais pessoais um artista que é descrito como “Stephen King de segunda”) como também narrá-lo por meio de truques que busquem um cinema de atrações pré-industrial.

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Se algo limita Virginia é justamente a impressão que tal movimento não chega ao filme com a mesma naturalidade que vemos num Resnais, para quem a história da arte nunca é uma questão de evolução e formas antigas como a opereta são tão vitais e essenciais como os autores modernos com quem colaborou no começo da carreira. A retomada aqui não nega um efeito retórico, imposto ao filme, mais do que brota dele. O conto de terror é desculpa para pensar o processo criativo, mas, como geralmente acontece nos filmes mais metalinguísticos de Coppola (com a possível exceção de A Conversação, de 1974) tal processo é destrinchado de forma muito didática. Se há momentos genuinamente evocativos, como os diálogos do escritor de Val Kilmer com Edgar Allan Poe, em outros tantos a tentativa do filme de iluminar como a engenharia da sua narrativa ganha corpo termina presa a uma camisa de força ilustrativa. Virginia só consegue não se soterrar nela por conta do seu senso de humor, que reconhece o quanto o filme trafega no absurdo (Val Kilmer e Bruce Dern, em especial, têm uma boa dinâmica de cena que reforça estarem tomando parte de uma piada perversa).

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Por outro lado, há um desejo forte de pensar o lado perigoso da criação, menos pelo seu arco dramático, que segue um caminho bastante óbvio de se conduzir até um encontro violento entre o escritor e Virginia, do que pela maneira que o fascínio que o cineasta guarda pelas suas imagens sugere sempre a possibilidade da perdição. O autor de Apocalipse Now (1979) sabe muito bem como criação pode dar espaço à obsessão, e seu último filme pode até celebrar a imaginação, mas tem o mérito de não varrer para debaixo do tapete o que esta tem de pouco saudável.

Se algo nas imagens do Virginia fascina – e com todas as suas limitações, o filme consegue um efeito sedutor inegável nas suas passagens mais fortes – a força do filme surge justamente do reconhecimento que este mesmo fascínio esconde algo terrível. O cinema aqui é tanto fonte de encantamento como receptáculo de trauma. O verdadeiro desenlace do filme é menos o encontro quase protocolar com Virginia do que a sequência anterior, em que o espirito de Poe guia o escritor até a memória da morte de sua filha (em circunstâncias que aludem de forma direta a morte do filho do próprio cineasta, em 1986), encenada de forma a transformar Val Kilmer num espectador de cinema.

A fascinação por artificios é uma das únicas constantes da obra de Francis Ford Coppola. Seus filmes mais pessoais (A Conversação, O Fundo do Coração, O Selvagem da Motocicleta) sempre foram aqueles nos quais pôde mergulhar de forma mais direta nela e expor o que o maquinário de cinema esconde. O filme ideal de Coppola é um jogo de espelhos sobre sonhadores que aos poucos se vêem expostos. Virginia é o contracampo destes filmes todos, pois aqui o artificio surge não como espetáculo, mas como sua negação. Sua falsidade e a fragilidade da sua dramaturgia devolvem o cineasta ao começo da sua carreira, quando trabalhou com Roger Corman na AIP. Se no seu último filme sobre vampirismo, Drácula de Bram Stoker (1990), Coppola reimaginava o tema como grande espetáculo romântico, em Virginia ele é só um exercício mambembe, mas que se escora na crença de que suas imagens são capazes de fascinar e assombrar da mesma maneira. A Virginia sobra convicções, mesmo que no processo seja preciso negar muito do que sustenta os filmes mais fortes do seu realizador.

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