The Songs of Rice (Pleng khong kao), de Uruphong Raksasad (Tailândia, 2014)

maio 30, 2014 em Coberturas dos festivais, Em Campo, Filipe Furtado

songs-of-rice

As possíveis celebrações do campo
Por Filipe Furtado

The Songs of Rice é a terceira parte de uma trilogia sobre a vida das comunidades camponesas tailandesas realizada pelo cineasta Uruphong Raksasad, composta anteriormente por Stories from the North (2007) e o ótimo Agrarian Utopia (2009). Todos são filmes rodados nas proximidades da vila onde Raksasad cresceu e se notabilizam justamente pela forma que seu olhar etnográfico exclui o mundo externo do retrato proposto. O desejo exposto pelos filmes é o de mergulhar em sua comunidade e em seus modos de vida, e por ali permanecer. É um esforço que torna Raksasad um dos nomes mais destacados no (muito popular nos últimos anos) sub-gênero dos filmes que buscam um olhar semi-etnográfico sobre pequenas comunidades – pensemos em Tulpan (2008), de Sergei Dvortsevoy, ou mesmo em alguns documentários do Harvard Sensory Ethnographic Lab, como Sweetgrass (2009) ou Manakamana (2013) – algo que é reforçado ao notarmos que este novo trabalho de Raksasad venceu o premio da Fripesci no último festival de Roterdã. Em The Songs of Rice, o foco é sobre a safra do arroz e a descrição de todas as suas etapas, do plantio até as comemorações da colheita.

Diferente de Agrarian Utopia, que propunha acompanhar certos personagens de maneira mais direta, os pólos em The Songs of Rice são o próprio grão e a comunidade como um todo. Raksasad se move por este universo sem nenhuma grande preocupação de contexto, interessado nos dados concretos do trabalho na terra e no ritmo da comunidade. O mundo externo permanece um subtexto ao qual poucos espectadores têm acesso, mas é bom dizer que retornar ao universo dos pequenos agricultores de arroz cinco anos depois do seu filme anterior é um ato politico muito forte num momento em que a produção local – de longe a principal atividade econômica para uma parte expressiva da população do interior do país – vive uma crise sem igual. Este contexto assombra o fora de quadro do filme e contrasta com o tom de celebração que as imagens de Uruphong Raksasad buscam captar. Há um desejo afirmativo muito forte aqui, no qual se busca pôr em primeiro plano a força das atividades dos camponeses.

Para isso, The Songs of Rice acredita no seu poder de descrição. A câmera de Raksasad (que também assina a fotografia do filme) combina um trabalho minucioso de imersão na comunidade e uma composição de quadro sempre muito cuidada. As sequências do trabalho com lavoura, em particular, se beneficiam deste trabalho descritivo, pelo qual o filme procura se perder em meio às atividades dos seus trabalhadores rurais.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que Raksasad tem um controle muito grande de ritmo, há momentos em que o filme parece por demais convencido que este poder descritivo vai por si só carregá-lo, acomodando-se em sua facilidade. Como terceira parte de uma trilogia que trabalho sobre processo similar, The Songs of Rice por vezes sofre do excesso de segurança com os procedimentos que seu realizador já dominara em seu trabalho anterior, como se tivesse dificuldades justamente de ambicionar um salto maior. Especialmente na sua primeira metade, o filme permanece frequentemente muito passivo diante do meio que descreve, muito crente que este gesto inicial de ir até aquela comunidade e registrar o cultivo de arroz basta para garantir sua força.

Se Agrarian Utopia aos poucos construía em paralelo ao seu trabalho descritivo da vida camponesa, uma fabulação a partir das duas famílias protagonistas, aqui o acúmulo de detalhes aos poucos busca produzir um olhar sinfônico sobre o trabalho e as festividades da colheita. Em seus piores momentos, The Songs of Rice ameaça se perder numa teia de exotismo, mas consegue escapar dela graças à grande intimidade que seu realizador forja com este universo: seu foco se fecha de tal forma sobre o local, que o filme escapa do flerte com o fascínio fácil para curadores de festivais ocidentais no qual poderia facilmente cair. Dentro desta proposta afirmativa, o filme se encontra principalmente quando se dedica a mostrar as festividades da recepção da colheita, por serem os momentos que melhor promovem uma interrupção na lógica descritiva das imagens captadas pelo cineasta. The Songs of Rice se constrói frequentemente na dialética entre a secura e o lirismo, e as comemorações da comunidade servem-lhe bem como possibilidade de escape – como nas sequências nas quais os jovens da comunidade se arriscam, lançando elaborados fogos de artificio amadores.

A despeito de sua atenção descritiva, o filme se mostra muito mais à vontade quando suas imagens se permitem observar em plano geral, quando pode se mover do especifico do trabalho para o especifico dos costumes. The Songs of Rice não consegue escapar da tentação de se mover do específico local para uma ideia de nacional, de tentar alegorizar um todo que empresta ao filme um peso um tanto maior do que as suas imagens sustentam. A colheita do arroz, tão central à economia tailandesa, termina por se revelar um fardo de especificidade que o filme, ao mesmo tempo em que celebra, parece descobrir um enorme alívio posterior ao superá-la. A vida que realmente lhe interessa, afinal, é aquela que se encontra depois do arroz.

Share Button