The Canyons, de Paul Schrader (EUA, 2013)

fevereiro 13, 2014 em Em Pauta, Luiz Soares Júnior

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O crepúsculo de Narciso
por Luiz Soares Júnior

Toda arte voluntariamente nova consiste numa paródia da precedente, na exata medida em que se utiliza desta; e toda arte ultrapassada se torna auto-paródia. Dessacralização e contra-senso são os motores da vida artística, inseparáveis da criação e do julgamento”.

Rudolf Klein, Notas sobre o fim da imagem.

Aquele que olha para trás não descobre aquilo que busca ou que deseja: ele se deixa surpreender pelo que por ele esperava desde sempre, e esta surpresa é do domínio do assustador. (…) é o próprio fato de voltar para trás seu pensamento que provoca a visão do horror. (…) O pensamento, enquanto reflexão, é filho do medo”.

Jean Clair, Medusa.

Há um maravilhoso filme crepuscular de Paul Vecchiali chamado Corps a Coeur (1979). Seus últimos planos consistem na recapitulação (em clichês fotográficos) de uma Paris desaparecida – a Paris de Grémillon e de Fréhel, de Damia e do Front Popular. Esta Paris, que uma última vez vem nos encantar com seu spleen, é o cenário para uma história de amor fulminante entre um mecânico e uma pequeno-burguesa. Morta e ressuscitada a mulher na memória do amado, impressa a cidade ausente no corpus do fotograma: velhas operações alquímicas, litúrgicas e elegíacas, de que o cinema, este “fantasma material” (Perez), foi a foz; aqui, uma presença adquire plenos direitos à manifestação e ao Logos, mesmo e sobretudo quando ausente. The Canyons, de Paul Schrader, inicia-se com os mesmos clichês com que Corps a Coeur se distanciava irremediavelmente de nós: os monumentos fúnebres de uma Los Angeles desolada, transfixada em seu rigor mortis espetacular. Mas ao contrário dos auráticos fotogramas com que Corps a Coeur se encerra – memorabilia geracional de uma sensiblidade e um stimmung -, em The Canyons as coisas “não voltam os olhos para nós”.

No filme de Vecchiali, os instantâneos fotográficos aparecem ao final do caminho, como testemunhas “para um mundo” não mais presente; uma elegia fúnebre se encena, mas sobretudo um mundo ‘se acaba” ali: um ciclo se fecha, um crepúsculo se perfila. Em The Canyons, a lógica do fantasma – daquilo que de forma obsedante se compraz na reminiscência do “Era uma vez…”, no Mito da Origem e na glosa maldita da repetição: os evacuados cinemas de Los Angeles são a baliza de um retorno, sinuosamente perverso (Deleuze: “Perversão é um desvio dos fins, não dos meios”) do classicismo; o gangster film e o noir voltam agora sob a luz estéril de uma cidade sitiada pela fotogenia televisiva; ontem, os filmes destilavam a embriaguês de um pathos agonístico, nutriam-se da seiva de um maniqueísmo trágico – The Big Heat (Fritz Lang, 1953), The Big Combo (Joseph H. Lewis, 1955), The Seventh Victim (Mark Robson, 1943) – onde questões metafísicas se urdiam: teatros domésticos e citadinos arrasados pela disputa entre o Bem e o Mal, cenários para a liquidação de arquétipos; sob a máscara da diva, a espreita da Górgona grega. Hoje, o domínio para “aquém” do Bem e do Mal: o puzzle irrisório dos corpos na orgia soft porn, o mundo casual e banal dos “flagras” de celular, o fotonovelesco das intrigas de bastidores… O reino das imagens flutuantes, sem raiz e sem centro, a que Daney se referia quando escreveu sobre o maneirismo de Copolla em One from the Heart (1982): ao fascínio clássico, sucede a crítica (crise) moderna; ao crescendo dramático e suntuosidade visual, a assepsia irônica dos cenários clean, o desembaraço canastrão dos atores, a luz chapada, a “imagem qualquer”; contraposto ao espaço-tempo solidamente presente do plano, a cadeia sintagmática de produção das imagens… e, correlativamente a estas questões estilísticas, uma questão a-teológica: affaire (clássico) de crença versus afã agnóstico ou cético de conhecimento.

E, no entanto, o que me intriga no filme de Schrader – o que me leva a tomá-lo por uma operação metodicamente perversa (e, portanto, duplamente crítica), na qual se retroprojetam os códigos canônicos numa superfície neutra e cinzenta de desconsolado para-si -, é que a mecânica do jogo clássico é mobilizada ainda uma vez: planos frontais e centrais, campo e contracampo dialogais, raccords como mediação necessária à “circulação de corpos e informações que estruturam o filme” (Aumont).

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… Mas serão tão frontais e centrais assim? Velhos estratagemas perversos. Schrader está sempre interceptando este contracampo que reside em mim, espectador; interpondo no mundo diegético uma fissura, um choque e uma hesitação que impossibilitam a cristalização daquele espaço suturado que Oudart elegeu como paradigma do cinema clássico; a cada seqüência, somos deslocados por estratégias de ponto de vista e movimentos subliminares de câmera que estabelecem o leitmotif visual do malaise experimentado pelos habitantes deste playground vampiro, asséptico e neutro, que é a Cidade: no papo no restaurante entre Tara (Lindsay Lohan) e Gina (Amanda Brooks), o scope é desbalanceado constantemente – uma câmera disléxica estabelece eixos descentrados, gira e volteja, preenchendo o quadro de forma alternada; quando da primeira seqüência, a câmera esquiva-se do embate entre os dois casais e por um momento desliza pelo bar, inventariando os gestos de anônimos convivas; e esta cartográfica investigação de espaços bigger than life, onde os personagens se perdem – e sobretudo se confundem mimeticamente com o décor, como partes indispensáveis de uma encenação em que a noção de “figura contra fundo” clássica se encontra solapada, vertiginosamente erodida? “A verdade da máscara não é a face, mas um ‘a mais’ (plus) de máscara” (Daney). E estes planos gerais e súbitos que convertem o plano médio dialogal em um canyon especular – nos quais a câmera assume um papel transcendentalista (no sentido kantiano estrito de “condições de possibilidade”: aqui, do olhar perverso) de voyeur do voyeur, emulando o psicopata Christian em seus onívoros exercícios de pulsão escópica, mais do que auxiliado pelo acólito tecnológico dos Duques de Blanchis do nosso tempo – o celular…

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Um anti-humanismo flagrante dá as cartas no filme, mas insidiosamente; ou seja: mascarado sob as manobras clássicas, em que a centralidade e a frontalidade – aqui, francamente pervertidas por estas interrupções, irrupções e alternâncias do ponto de vista – um dia designaram, na insistência figurativa na persona (paradigma do ícone medieval), um espaço virtual e ubíquo de comunicação onde se resolviam as agruras de ser-para-um Outro. Mas os personagens de The Canyons são propriamente “para quem”? Se a regra aqui é o desvio e a desconexão das táticas clássicas de embate de caracteres/consciências; se o modus operandi do filme consiste em uma necrose do ser-com, na impossibilidade de um campo versus contracampo fechado, de um face a face pleno, direto? “Para quem” existem propriamente estes personagens – se existirem, e aqui se faz necessária uma instrução arqueológica a respeito do sentido deste verbo: ex-sistir = ser para fora, para o Outro -, personagens cujo olhar se retrai e mascara face ao Outro?

Schrader problematiza a noção de ponto de vista num grau essencial – e essencialmente próximo, na deflagração deste unheimlich que sustenta The Canyons, das operações de desconstrução do Real e da identidade mobilizadas pelas anamorfoses de Dario Argento e pelos apocalipses domésticos de um Kyioshi Kurosawa. Se a câmera não se identifica (me identifica) a rigor com nenhum personagem; se esta adquire, em meio à linha de produção de campos e contracampos straight line, o papel de um vetor fantasmagórico, encarregado de confundir os pontos de vista e ação dos personagens com os da máquina, agora demoniacamente animada por uma força motriz propriamente alienante – e de, nesta empreitada, decretar o fim do ponto de vista como os clássicos o entenderam – a saber: como um lugar, ética e cognitivamente privilegiado, onde uma consciência tinha por função sintetizar os dados perceptivos do real, assinalando-lhes uma significação e um valor. O que me parece particularmente ferino em The Canyons é a forma sublimada – elegantemente trabalhada, se entendermos aqui o “trabalhar” no sentido dialético de um conjunto de mediações necessárias ao processo, que outrora constituiu a glória Sub species aeternitates clássica, de ocultar o próprio trabalhar das mediações utilizadas pelo artista na confecção “invisível” de sua obra – com que maneja uma operação dessacralizante (da idéia de Persona, de identidade, ponto de vista) e sumamente violenta, operação de que até então o cinema de horror, com o grau de subversão figurativa (subversão tout court) que o caracteriza, foi o gênero privilegiado na história do cinema: Jacques Tourneur, James Whale, o Dreyer dos kammerspiel enfeitiçados.

A essência numinosa do plano como lugar de Revelação e comunicação, do contracampo como o lócus da Recepção são sub-repticiamente (os travelings deslizantes sobre gestos e objetos a que ninguém presta atenção) desconstruídas aqui; é a câmera, que a princípio esposa a transparência necessária à minha “entrada no jogo”, que vai se encarregar de curto-circuitar as regras do próprio jogo, de infiltrar o campo e contracampo com vistas gerais ou objetos parciais que em nada servem para informar do que acontece no filme; de inserir na diafaneidade do ponto de vista uno a refração de um duplo (a seqüência de Tara no shopping, que nos é mostrada sucessivamente “à altura do homem” e segundo a lógica de obliteração do campo visual do sujeito que a segue). Os corpos e poses (corpos na atitude poseur) se expõem valor de exposição, subsunção dialética do valor de uso e de troca – nestes planos-vitrine ou aquário, diante dos quais o olhar se deixa voluptuosamente vivissecar: Schrader mantém o fascínio e a inervação de punctum dos planos – mas diante de quais ídolos propriamente nos prostramos e celebramos? Qual o lugar para nós na pupila narcisista destes manequins que habitam o plano com o cortejo envenenado de suas imagos? O invólucro fascinatório, composto de digital e paisagens estratificadas pelo american way of life, permanece, mas a que presença corresponde?

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Deixamo-nos fascinar (aqui no sentido mais devastador deste fascino, que designa precisamente um objeto enfeitiçador, que nos arrebata e domina) por esta dicção modulada a metrônomo, estes gestos estereotipados, estes olhares minuciosamente dirigidos, este minimalismo pós-pós, sibilante e amaneirado; deixamo-nos fascinar, à semelhança daqueles espectadores expiados pela presença da pantera ao final do O Artista da Fome de Kafka, pelo fascínio do fascínio; o que restou foram estes códigos e estas armaduras, estes artefatos e estas silhuetas, já tão eficientemente restituídos e devidamente regrados que não precisamos inseri-los em nenhum sistema de crença ou de desejo: são eles agora que detêm a crença e o desejo; somos nós a inútil paisagem.

Há pontos em comum, atmosféricos e kuleshoviamos, com o último De Palma. De uma forma low profile – cansada, e cansada com o próprio cansaço -, The Canyons encerra em tônus mortuário e blasé à história do maneirismo cinematográfico – esta arte já tão certa dos efeitos a atingir e das manobras necessárias a estes efeitos, tão ciente de si quanto da impossibilidade de ser em-si – impossibilidade decretada por este mesmo, enfadonho e melancólico “saber”. Se a anamorfose maneirista (em Argento e Fassbinder) ainda se realizava sob os auspícios “nobres” da pintura clássica, aqui ela se vale do mercado do vídeo e do universo do pornô – esta luz sem nuances ou chiaroscuro, estas “encarnações” autômatas do desejo, que desempenham rasa e diligentemente seu papel escrito, para logo chegarem “ao que interessa”, como nos mostra a segunda seqüência, com o ator pornô Hughs sendo convocado por Christian (James Deen) para uma “sessão” de sexo virtual com sua mulher (o ponto de vista oscila entre o documental e o masturbatório-fetichista, pois Christian se filma pelo celular)… este “amaneiramento” do maneirismo, esta anamorfose inspirada/suscitada pela imagem sem grão nem profundidade (sem presença) do digital permanece uma figura do duplo, da re-flexão, do voltar-se para trás e encarar o monstro ao espelho…

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Baltrusatius, em um surpreendente livro sobre anamorfoses (As perspectivas depravadas II), escreve: “(…) o ato de voltar-se para trás, de olhar duas vezes, é o próprio princípio dinâmico da anamorfose, que pressupõe a confrontação e a anulação recíprocas de duas figuras, das quais uma consiste na deformação sofisticada da outra”. O exemplo essencial para o autor descrever este necessário processo de “voltar-se novamente” – de implicar-se numa distância no tempo e no espaço para enfim ter acesso à imagem originária -, é o quadro Os Embaixadores (1533), de Holbein. Holbein pintara, segundo consta em seu diário, Os Embaixadores com o fito de que as pessoas que chegassem ao museu pela esquerda vissem, num relance, a caveira anamorfizada no chão do que parece a princípio (se visto frontalmente e à distância conveniente) ser um portrait de nobres. Ao voltar-se novamente, a caveira já não seria visível; apenas uma terceira e consecutiva visão (que estabelecesse uma ponte mediatória entre as duas precedentes) permitiria a restituição na mente do espectador da verdadeira – a primeira e última imagem: a primeira visão diferida pelas duas subseqüentes. Este trabalho dialético de re-visão e re-flexão indispensável ao repertório crítico-alegorista da anamorfose é brilhante e sucintamente restituído aqui, com o retrovisor do celular…

Os Embaixadores (1533), de Holdein

Os Embaixadores (1533), Holbein

Tardio embora, o cinema permanece uma arte da encarnação; materialista em seus princípios, mesmo quando feérico ou demonstrativo, pois nele tudo deve aceder a uma presentificação – resolver-se num gesto e burilar-se no marmóreo de um corpo. A que pathos correspondem ainda estes fluxos, mortuários embora, que em The Canyons nos seduzem? Aqui, encenam-se ainda uma vez estes itinerários, entre agônicos e mercuriais, dos personagens de Schrader pelo submundo do Desejo; agônicos porque estas provas e estes embates – este excesso de força, centuplicada e diferida pelos encontros que os filmes descrevem – acabarão inevitavelmente por levar os personagens a uma implosão; e mercuriais (cambiantes) porque a função do Desejo consiste justamente em atualizar, deflagrar um pathos esquizofrênico do psiquismo humano: a metamorfose é uma constante nestes filmes; uma tal irisação de força deve necessariamente desencadear a criação de novas figuras, arcanos de um irresistível fulgor pático, onde esta força possa encarnar-se – ou antes: aspirar a um quantum infinito de potência, através da proliferação (de corpos, de personas). Os irmãos de A Marca da Pantera (1982) são o caso paradigmático de metamorfose como a experiência seminal de Alteridade(s) descrita pelo seu cinema. Em seus filmes, todos trocam de máscara, se encenam Outros, se divergem e dilapidam – à imagem desta errata pensante a que Pascal comparou o homem: o empresário calvinista que, em busca da filha, “vira” produtor pornô em Hardcore (1979); o showman sobrevivente do holocausto, dividido entre o palco, ser fantoche de um perverso nazista e o asilo onde acaba seus dias, em Adão Ressuscitado (2008); o ator de televisão sexomaníaco em Auto Focus (2002), entre o bonachão personagem de sitcom e o erotômano dos finais de semana e festa; o herói-justiceiro Manuel Esquema/Alan Riply em Forever Mine (1999); Mishima (1985), figura arquetípica de um certo dualismo, no qual o Logos ocidental se alia ao código ancestral do Bushido.

No cinema de Schrader, a metamorfose é o índice de que a pulsão é sempre o atributo de uma economia de Poder. Desejar é implicar-se num círculo, progressivamente mais estreito e flamejante, de força; é se deixar aliciar (ser o container e o instrumento de) por uma vontade de potência demoniacamente centrífuga, cujo fito consiste na integração em seu corpus tectônico de todas as máscaras possíveis, dos corpos-satélites que gravitam em torno do monstro. O pacto faustiano em seus filmes realiza sua prova de força nestes consórcios energéticos entre corpos e identidades, em que a sexualidade é a moeda de troca que possibilita a subsunção do Poder pela força, da Vontade de potência pela pulsão. Em The Canyons, a equação continua valendo: é servindo-se do corpo alheio e do próprio (protegido embora pela tela-fetiche da câmera microscópica), é intensivamente confluindo-os e colidindo-os que Christian dissemina sua teia de Poder; os dois pólos entre os quais o Desejo circula, o virtual e o atual, encontram-se implicados: as imagens gravadas pelo celular, os planos americanos através dos quais os corpos-mercadoria se exibem à onívora diligência do olhar de connaisseur, tudo é matéria para este exercício de vampirismo do Outro como meio para um exasperante transbordamento da Vontade de Potência.

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Mas há um detalhe singular aqui. Em The Canyons, o corpo escravo e o corpo senhor se encontram a serviço de uma Física do Desejo muito semelhante às laboriosamente kantianas construções geométricas dos libertinos de Sade. Ao filme, interessa muito mais a Idéia do que a experiência em si; um limbo de lúgubre distância o distende. O demoníaco percurso da Força, prenhe de metamorfoses, dos filmes de Schrader, aqui se atenua e hieratiza: The Canyons parece esposar a perspectiva demonstrativa, o olhar gélido e a sardônica indiferença com que Christian circunscreve o campo da ação – com que o Duque de Blachis “confere” a ordem exata dos corpos nas pirâmides sadeanas. Deleuze, inspirado por Freud, descreve em Diferença e repetição o processo de constituição da pulsão de morte no desejo narcisista que pode nos servir de guia aqui. “Esta correlação entre o Eu narcisista e a pulsão de morte é demarcada por Freud profundamente, quando explica-nos que a libido não reflui sobre o Eu sem se dessexualizar, sem formar uma energia neutra deslocável, capaz essencialmente de se pôr a serviço de Thanatos. (…) E quando Freud diz-nos que talvez seja necessário relacionar o processo do pensar a esta energia dessexualizada correlata à libido tornada narcisista, devemos compreender que não se trata mais de saber se o pensamento é inato ou adquirido. Nem inata nem adquirida, o pensamento é genital -, isto é, dessexualizado, retomado deste refluxo que nos abre ao tempo vazio”.

Christian e seu playground de fantoches não designariam justamente este estranho modus operandi do fantasma narcisista? O que deseja, senão o desejo de representar o desejo dos outros – e ao refleti-los, aliciá-los, manipular suas imagens, finalmente destruí-los? Não seria o desejo narcisista o desejo arquetípico de nossa época – o único a que pode aludir uma estética tardia? O desejo do desejo de representação. Um Desejo cujo grande parceiro não é Eros, e sim Thanatos – e aqui a identificação sugerida por Deleuze entre a pulsão de morte e a reflexão, entre espírito e entropia é pontual. The Canyons é um filme da exaustão; um filme sobre o crepúsculo de Narciso (Narciso como crepúsculo do desejo). O seu olhar medusino é, à imagem e semelhança das imagens frontais da Górgona grega (exceção manifesta da lição clássica, que consistia em mostrar os portraits de deuses e heróis em perfil), aquele que devemos encarar de frente, sem vacilar. Encarar o monstro sem medo do espelho, protegidos pelo espelho de Perseu – eis a regra infalível para o seu exorcismo…

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