Primeiro Dia de um Ano Qualquer, de Domingos Oliveira (Brasil, 2012)

dezembro 4, 2013 em Cinema brasileiro, Do Arquivo, Em Cartaz, Fabian Cantieri

domingos1

* Originalmente publicado em Setembro de 2012.

Sem ar
por Fabian Cantieri 

Difícil uma perscrutação inédita de um filme, quando um caminho crítico antigo aplica-se tão bem agora quanto na velha empreitada. Francis Vogner dos Reis, falando sobreTodo Mundo tem Problemas Sexuais, chega à epistemologia dominguiana mais básica de sua carreira recente: “importa, antes de tudo, o que Domingos Oliveira tem a dizer. O cinema se subjuga às suas idéias”. Desse contorno, parece que, para uma mínima apreciação, temos quase sempre que relevar, medir importâncias… se o que ele diz é o que importa, que não nos atenhamos tanto à decupagem, aos movimentos de câmera, à montagem e fotografia… Ora, correndo o risco de parecer quase peripatético ao escrever isso, mas como não se submeter ao cinema diante de um filme?

Pois sem essa construção minimamente estruturável, Primeiro Dia de um Ano Qualquer se torna tão aleatório quanto uma pontuação de karaokê. Ney Matogrosso sendo humilhado por criancinhas desafinadas (diga-se de passagem, a melhor, para não dizer única boa piada do filme) pode até ser possível dentro do cinema, mas só porque a fantasia requer labor para se chegar à crença. Crença que já perdemos com o filme nos primeiros quinze minutos, ao perceber que algo de novo dificilmente se apresentará na tela a partir dali – o digital não é um trunfo, apenas uma facilidade de produção; o enquadramento se faz a partir do que já aconteceu, para se diferenciar, não se tornar repetitivo, e não porque existe um motivo profundo (ou superficial, que fosse!) para estar ali naquela posição, ou no máximo para caber todos da cena num plano conjunto (o que está longe de ser uma solução criativa, como John Ford recorrentemente fazia ao suplantar plano e contraplano em busca de um tempo espontâneo da conversa); a montagem parece ser mais uma ferramenta de correção de erros primários do que um artifício que contribui com o todo (e as falas que vão saindo de “sync” ao longo de algumas cenas é a primeira prova de que o filme “não monta”); e assim vamos relevando a encenação, a atuação, que fosse o filme por completo…

Ainda assim, existe algo que corre por fora da mise en scène, por fora das emanações das personagens (onde ainda a empatia maior vem do próprio Domingos ator-ele-mesmo-não-ator), por fora do conteúdo cuspido por tanta gente, seja o da narrativa ou o pouco do social (como na cena “classe média-rica sofre” dentro do carro) – é uma certa realidade, uma vontade de estar ali filmando, vivendo aquela vida se transformando em cena contígua de cinema. O frustrante é enxergar esse devir tão “ao Deus-dará”. O que ali poderia haver de esfuziante é esvaído pela construção, pelo próprio Domingos Oliveira que sintetiza tudo na conversa com sua namorada mais nova ao querer implementar um jogo da verdade – não aquele velho conhecido da infância, mas um jogo de pílulas filosóficas jogadas a esmo, como slogan tocante da Coca ou frase certeira de Twitter. Esse impacto, essa experiência de vida, e ele sabe bem disso, precisa ser narrada, bem vivida, para ser cinema.

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