Operações Especiais, de Tomás Portella (Brasil, 2015)

janeiro 25, 2016 em Cinema brasileiro, Em Cartaz, Marcelo Miranda

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Para tudo e para nada
por Marcelo Miranda

Logo de imediato, o rosto de Cléo Pires, intérprete da protagonista Francis, surge em cena, sobressaltado em primeiro plano. A câmera se afasta e revela o cenário e o contexto: numa periferia de alguma cidade brasileira, um grupo de policiais civis invade o local em missão de captura de bandidos. Francis explicitamente é uma intrusa no espaço, não apenas pelo ar de confusão que a caracteriza: ela está menos armada que os colegas, demonstra insegurança e é a única mulher na equipe. Esta apresentação de Operações Especiais reúne várias questões a serem trabalhadas ao longo do filme e principalmente dá o tom a guiar a narrativa. Operações Especiais se assume filme de ação à brasileira como princípio, utilizando os códigos de gênero tipicamente americanos para de alguma forma transferi-los às condições materiais de realização e à aproximação com o noticiário nacional (a premissa do enredo está nas consequências da ocupação do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2010). Existe vigor no gesto e faz bem ao filme a decupagem e o ritmo das cenas mais movimentadas – ainda que alguma afetação (como o primeiro plano engessado enquanto o fundo se move numa correria) acabe por truncar a fluência de alguns ótimos momentos. Os problemas mais sérios do filme de Portella, porém, aparecem fora de todo o agito da ação.

O principal deles é o acúmulo de uma série de estímulos do enredo que simplesmente ficam pelo caminho. Não é que Operações Especiais deixe perguntas no ar, nem muito menos sofra dos famigerados “furos” de roteiro que uma olhada superficial geralmente fica a procurar. A questão é que nunca se completa aquilo que se inicia, como se faltasse tempo de tela (de fato os 90 minutos são insuficientes para lidar com tanta coisa) e também a habilidade em definir sobre o que seria mais prudente aprofundar e o que poderia apenas ser apontado. Há um filme muito forte escondido na relação de Francis com os colegas de Polícia Civil, que a maltratam única e exclusivamente por ser mulher. Há outro filme a se destacar nas crises de pânico que a personagem sofre durante as missões. Há um terceiro filme possível nas investigações em torno da máfia local que domina a pequena cidade onde o grupo se instala. Outras linhas talvez sejam possíveis de se apontar, e nenhuma delas é definida na estrutura de Operações Especiais. Todas, em alguma medida, são tentadas, e tão rapidamente quanto aparecem elas também desaparecem sem resultados muito concretos. Tudo tende se resolver no fora de campo (não deliberadamente), e o que surgia promissor de acompanhar é abandonado por outra guinada promissora, e assim adiante. O excesso de enfoques do filme pode ter a ver com alguma tentativa de demonstrar consciência sobre corrupção, maus tratos, condição da mulher e violência, mas acaba por enfraquecer todos os pontos. Quando se fala de tudo, não se fala de nada.

No fim (que parece costurado de qualquer jeito, porque o filme precisava acabar), resta pouca coisa onde se sustentar. Uma pergunta, então, vem à cabeça ainda nos créditos: “Mas por quê?” Talvez as imperfeições de Operações Especiais sejam realmente originadas de algum tipo de vocação para o subdesenvolvimento de que falava Paulo Emilio Sales Gomes sobre o cinema brasileiro (e o quanto este cinema seria mais vigoroso ao transformar a vocação em estética). Ou talvez o gênero de ação por aqui, hoje, esteja mesmo defasado demais em relação às suas matrizes, o que ajudaria a entender por que outros exemplares como Alemão (José Eduardo Belmonte, 2014), 2 Coelhos (Afonso Poyart, 2012), Assalto ao Banco Central (Marcos Prado, 2011) e Segurança Nacional (Roberto Carminati, 2010) parecem sempre andar de costas, se desequilibrando a cada passo, tropeçando nos próprios pés e muitas vezes desabando num tombo feio. Ou então a herança de Tropa de Elite (2007) tenha feito mais mal do que bem ao gênero, já que nem toda ambição à José Padilha consegue uma artesania e uma produção que dê conta do que se busca colocar na tela.

No caso de Operações Especiais, há ainda o fato de que, ao posicionar o ponto de vista em agentes da polícia a partir da proposição de que se está abordando uma equipe incorruptível, corre-se o sério risco de reforçar a visão do opressor num país que está constantemente em estado de tensão com suas autoridades e instituições de segurança. O terceiro longa-metragem de Tomás Portella nunca escamoteia tratar-se do ponto de vista de Francis e de tudo aquilo que lhe chega e afeta. Mesmo nos momentos de maior intensidade (como as várias sequências de tiroteio ou perseguição), é nela que o filme se mantém, seja para construir situações de escolhas morais (salvar ou não um criminoso baleado no meio de uma intensa troca de tiros?) ou para transmitir a ansiedade que se abate sobre a moça durante as incursões com os colegas. Não se pode ser inocente nem ingênuo na definição de para onde e através de quem se vai olhar numa proposta como esta.

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