Exilados do Vulcão, de Paula Gaitán (Brasil, 2013)

setembro 1, 2016 em Colaborações especiais, Em Cartaz

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Entre rostos e rastros ficcionais
por Laura Erber (colaboração especial)

Em célebre entrevista a Thomas Lescure, Philippe Garrel dizia que ao filmar uma mulher tende a abandonar a narrativa. Conhecido por rodar apenas uma tomada de cada cena, no desenrolar da conversa emergia também o tema da tensão entre a violência da filmagem e a fragilidade do ator. Essa fragilidade não deve ser confundida com uma insegurança que o diretor viria manipular, mas sim a fragilidade da própria noção de personagem fílmico, complexo jogo entre a presença física do ator e aquilo que estaria representando em cena.

Exilados do Vulcão, de Paula Gaitán, explora esse interstício oferecendo ao espectador uma experiência que aproxima o cinema contemporâneo do alumbramento de seus começos, o espanto do primeiro cinema diante de seu próprio poder de revelar a fisionomia humana, o rosto em sua potencia plástica e afetiva. Ao abordar o vagar de figuras femininas que gravitam em torno de um personagem desmemoriado, Gaitán cria um conjunto de retratos de mulheres que nos colocam diante do enigma de seus corpos. O longa-metragem faz o enredo emergir tenuemente, trazendo a linha narrativa à superfície para em seguida fazê-la desaparecer, ora pela dilatação do tempo do olhar contemplativo, ora como um elemento que submerge nos corpos.

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O filme produz um ir e vir entre a dimensão ficcional das figuras femininas e a força de sua presença performática, sendo o aqui e agora da própria filmagem decisivo para a intensidade das sequências mais inquietantes. O rosto torna-se aí uma espécie de laboratório, espaço de captação de pequenas vibrações, sensações e afetos que cruzam seu espaço como se atravessassem uma paisagem, sem no entanto fornecerem um sentido único ou significação clara. Trata-se de filmar em cada atriz o momento em que o corpo se impõe sobre a fábula, escapando ao congelamento narrativo.

Desse modo o filme acaba por ser também um estudo sobre suas atrizes – Clara Choveaux, Bel Garcia, Lorena Lobato e Simone Spoladore.

Ao contrário do que geralmente ocorre no cinema brasileiro contemporâneo, a fotografia atua aí como uma visão que predomina sobre o roteiro e a narratividade que dele advém. O resultado não é aquele de um filme narrativo entrecortado por momentos de suspensão nos quais a imagem se tornaria poética. Exilados do Vulcão se arrisca inteiramente no pensamento pictórico. O que entra em jogo aí é a própria hierarquia entre imagem e roteiro na concepção e realização cinematográfica. A extrema plasticidade da fotografia de Inti Briones assume o papel narrativo, mesmo sob o risco de que o enredo seja incompreensível ou se torne pouco relevante para a fruição de sequências minuciosamente cadenciadas, numa clara preferência pela contemplação visual sobre a dramaturgia.

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No trabalho com os atores a cineasta utilizou exercícios empregados por Merce Cunningham. Este gostava de fazer seus bailarinos caminharem antes de dar início ao trabalho coreográfico propriamente dito. O simples caminhar, tão desafiador para o ator quanto para o dançarino, revela a complexidade dos gestos mais triviais. No filme, o caminhar das mulheres reflete a relação de cada atriz com seu próprio corpo no espaço-tempo, sem marcações rígidas ou direção certa. O exílio seria talvez essa condição de ininteligibilidade a que tudo ali parece estar submetido, corpos fora do lugar, memórias não restituíveis e figuras que ainda não sabem exatamente quem são ou desconhecem seu destino.

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