Eu Não Faço a Menor Idéia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida, de Matheus Souza (Brasil, 2012)

dezembro 23, 2013 em Cinema brasileiro, Do Arquivo, Em Cartaz, Raul Arthuso

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* Originalmente publicado em Novembro de 2012

Moral da evasão
por Raul Arthuso

Qual é o motor de Eu Não Faço a Menor Idéia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida senão o medo da passagem do tempo, da chegada da idade adulta? Esse já era o extrato de Apenas o Fim, onde, por trás de um namoro em seu último dia, se escondia um profundo desejo de interromper o fluxo do tempo e criar um espaço-temporal de convivência entre infância e adolescência em que, na chegada à encruzilhada, não fosse necessário escolher um caminho. As personagens falavam hiperativas de uma série de referências, num eruditismo pop, como a evitar uma violência anunciada contra elas. Se elas perambulavam pelo campus da universidade, esse trajeto pouco importava; o importante era não chegar em lugar nenhum.

Isso é decisivo em Eu Não Faço a Menor Idéia…, pois essa é uma história de autoconhecimento: a protagonista quer descobrir sua vocação após o mal-fadado ingresso na faculdade de medicina. Há, portanto, em seu enredo, uma vontade de superação, de ultrapassagem. Parada em frente à encruzilhada, o desejo é seguir para algum lugar (desconhecido, a princípio). Logo algumas coisas se revelam. A primeira é uma questão de método: a protagonista procurará sua vocação por tentativa e erro – esquadrinha as profissões e sua essência para pôr em prática e ver onde dá. Assim, um médico ajuda os outros, um advogado mente, um geógrafo visita pontos turísticos (!). Matheus Souza articula a coisa como uma gincana da face mais clichê do mundo, partindo de um registro insípido (uma lista) para chegar no mais infértil (uma catalogação). O processo está viciado, pois é um anti-processo: não há movimento, mudança, transformação. A gincana está fadada ao inanismo. Não surpreende que, então, a protagonista só aplique seu método à família – no fundo, a gincana da busca da profissão perfeita traz a jovem paralisada (literalmente: a protagonista é incapaz de frequentar as aulas da faculdade) de volta ao seio da infância e à proteção da instituição familiar – aquela que não é necessário escolher, já que foi dada.

A segunda e mais importante evidência de distorção se dá na articulação das cenas.Apenas o Fim não era um primor de construções de cenas: as falas tomavam o espaço da profundidade dos personagens, da articulação de planos e noções básicas do artesanato audiovisual. Aqui, as personagens falam menos e há uma noção muito presente de “cena de cinema”. As fraquezas são, assim, muito evidentes, na medida que sua construção segue rigorosamente uma economia de planos traçada na repetição e emulação de si mesma. Por exemplo, cenas de café da manhã com membros da família são sempre filmadas com os mesmos enquadramentos, a mesma montagem, a mesma cenografia; cenas de conversa com o melhor amigo são sempre o mesmo plano, com o mesmo movimento de câmera, a mesma locação; cenas de jantar com o pai e a mãe, a mesma coisa, mesma coisa, mesma coisa… Essa limitação, porém, não se trata apenas de má realização: é uma questão moral. O filme propõe uma ultrapassagem para negá-la. Suamise en scène é um processo de redução em busca da repetição do primeiro plano, uma volta ao útero pela teimosia em não libertar o plano e a cena, por negar a necessidade de uma atitude criativa e ousada perante a vida, pontuando o desejo (esquisito, medroso, infrutífero, fique à vontade) de evitar o confronto com o tempo – biológico, social, histórico, cinematográfico.

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Eu Não Faço a Menor Idéia… leva a um cadafalso, pois arma uma idéia de trajeto e movimento para, ao fim, amputá-lo. Nega a busca ao renegar o “não ter a menor idéia do que está se está fazendo com a vida” a uma lamentação dos mais velhos, limando a chance de um perder-se para achar-se, recusando ao processo da autodescoberta um espírito de aventura em favor de um método técnico. Após o primeiro galope na encruzilhada, Eu Não Faço a Menor Idéia… reafirma a moral da evasão, uma vontade desesperada de refúgio – na infância, na adolescência, na família, no plano primeiro.

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