El Futuro, de Luis López Carrasco (Espanha, 2013)

junho 5, 2014 em Coberturas dos festivais, Em Campo, Filipe Furtado

El-futuro

O que a emulação revela
por Filipe Furtado

El Futuro é um filme que propõe uma instalação num ambiente muito especifico: o de uma festa em Madri, em 1982. As imagens de Luis López Carrasco são apresentadas como se fosse achadas, em um found footage tão elaborado quanto o de um Atividade Paranormal. Há um inegável elemento de fetiche nesta construção, mas o que importa é o que esta reconstituição e imersão revelam. Pois El Futuro deseja se afirmar como um filme histórico e ele sucede justamente em manter uma ponte constante entre 1982 e 2013. Seus planos casuais de festa conseguem fincar um pé ao mesmo tempo em passado e presente e o filme se passa justamente no que sugere do intervalo entre eles. El Futuro não é, afinal, um filme apenas sobre o passado ou o presente, mas sobre a distância entre eles, e sobre todo um processo que leva até seu plano final. É uma maquina do tempo em movimento que permite o tempo todo estar em 1982 e 2013.

O filme se abre com uma tela preta enquanto o áudio apresenta a noticia da vitória nas eleições de 1982 do Partido Socialista dos Trabalhadores (PSOE), finalmente alçado ao poder no período pós-Franco. Felipe González, líder do partido, faz seu discurso de vitória que iniciaria um mandato de primeiro ministro que duraria até 1996. Corte para um jovem sozinho num bom apartamento classe media, música alta, e convidados que aos pouco chegam. A festa e a chegada ao poder de Gonzáles existem em paralelo, uma se alimenta da outra, movidas por um desejo por uma nova Espanha. A música encobre a maioria das conversas, e o filme, muito autoconsciente, reforça estar sempre olhando à distância, recuperando aquelas imagens. É fácil reconhecer que se trata de um retrato social desta transição, assim como um conhecimento básico da história espanhola reforça ser uma história de final bem triste, com o estado de bem estar social espanhol aos poucos sendo desmontado ao longo das décadas seguintes.

El Futuro é um filme que triangula três tempos de forma muito consciente: há o presente de 1982, com as expectativas da chegada do PSOE ao poder; o futuro, no qual este mesmo período é revisto com a consciência histórica dos caminhos que a Espanha tomara desde então; mas haverá também o passado, a sombra de Franco, as lembranças do país totalitário e atrasado que assombram o presente. A chegada ao poder por González não é somente a vitória de um partido político de esquerda, mas é especialmente a derrocada de tais sombras, o triunfo de um ideal otimista de uma Espanha pós-Franco, moderna e pronta para ser recebida de braços abertos pela Europa democrática. A operação maior do filme é fazer a autópsia desta visão, e o futuro ao qual o título se refere é não só o tempo presente, mas todo o processo segundo o qual esta expectativa se apaga.

Se o princípio de El Futuro pode à primeira vista parecer simples, com um esforço de ambientação naquele espaço, é preciso apontar como o filme é cuidadosamente construído para produzir os sentidos desejados por Carrasco, sempre muito consciente de como a estética de found footage propõe uma emulação com limites claros. Há todo um arco de progressão que é menos dramatúrgico, a partir dos eventos da festa, do que estético, pelo qual as mudanças de registro vão aos poucos transformando também o olhar sobre o que acontece ali. Não é um acidente, por exemplo, que o filme se abra com uma tela preta preenchida pela eleição de González e, nas sequências finais, opte pelo silêncio para ilustrar suas imagens. El Futuro nunca se acomoda num tom de registro: em sua segunda metade, em particular, o filme se transforma materialmente várias vezes, com a imagem cada vez mais deteriorada, a representação daquele universo ao mesmo tempo cada vez mais agressiva e frágil. A ausência de som numa festa em que as pessoas dançam, em particular, produz uma imagem perturbada que reforça a impressão de aquelas pessoas seguindo um roteiro planejado de o que almejar ser.

O que as imagens de Carrasco revelam é justamente uma Espanha deslumbrada com as possibilidades da Europa contemporânea. Entre outras coisas, El Futuro é um filme bem forte sobre o provincialismo escondido numa emulação cosmopolita. O porte e gestos dos seus atores encerram em si todo um desejo de pertencer. O filme faz uso rico de uma trilha sonora de rock espanhol do começo dos anos 1980, que procura emular as tendências vindas principalmente da Inglaterra no período, com resultados dos mais diversos, e que substitui os diálogos como condutor narrativo da festa. É preciso dizer que, do ponto de vista de um brasileiro, é um filme bastante incômodo, já que parte da ideia de Carrasco surge da observação de que a modernização espanhola está centrada na crença de que o consumo pode levar a Espanha até o restante da Europa – o que não deixa de ser parente da inclusão pelo consumo do governo do Partido dos Trabalhadores por aqui.

El Futuro é um filme circular: parte-se de 1982 para chegar num 2013 que é ele próprio tão assombrado pelo franquismo quanto aquela festa, no qual a possibilidade se transmutou aos poucos num mergulho conservador. O filme histórico aqui termina com uma função dupla, pois todo o trabalho minucioso de reconstituição – a autenticidade da reconstrução do filme se revela outra forma de emulação – também serve para apresentar uma Espanha contemporânea encerrada no próprio passado. Uma imagem reflete sobre a outra e o filme termina fechado numa espécie de corredor de fantasmas, passado, presente e futuro encerrados ali, na mesma representação da qual é impossível se escapar.

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