De Menor, de Caru Alves de Souza (Brasil, 2013)

outubro 18, 2013 em Cinema brasileiro, Coberturas dos festivais, Em Campo, Filipe Furtado

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Uma asfixia
por Filipe Furtado

Logo nas primeiras imagens com a câmera colada as costas de Rita Batata quando ela chega agitada em sua casa pela primeira vez, De Menor deixa às claras a filiação estética que o filme deseja: o gosto pelo naturalismo, um jogo constante com os atores, uma dramaturgia pontual, mesmo que às vezes esgarçada. De Menor é um filme que sabe muito bem onde se coloca e dialoga com grande capacidade e talento por entre estas escolhas. Há muito que pode ser dito sobre ele, mas não que o filme seja desonesto sobre suas opções. O que nos cabe diante do filme é justamente questionar o que estas escolhas acarretam, e, neste sentido, De Menor, justamente por ser um filme talentoso, reforça os limites de certa escola do cinema paulistana.

Podemos dizer que toda uma parcela do cinema paulistano dos últimos quinze anos foi realizado sobre o fantasma de Um Céu de Estrelas (1996), o primeiro longa de Tata Amaral, e certamente um dos filmes brasileiros mais importantes da segunda metade da década de 1990. São filmes que geralmente, mas nem sempre, vêm de cineastas com ligações com a ECA e que procuram se equilibrar sobre o pêndulo de um roteiro muito trabalhado e uma imagem de fundo naturalista que busca se aproximar de seus universos – a própria Tata Amaral passou a maior parte dos últimos quinze anos buscando sem sucesso repetir o impacto do seu longa de estreia.

Dentro deste contexto, este longa de estreia de Caru Alves de Souza apresenta um frescor maior por conta de um vigor e dinamismo de encenação ausente de filmes posteriores, como Contra Todos (2003), de Roberto Moreira. É um vigor que existe no contraponto das intenções dramatúrgicas do filme. De Menor é um filme todo calcado na lógica do abandono: dos menores abandonados que a personagem de Rita Batata defende no tribunal à orfandade do casal de protagonistas, nada no filme escapa da mesma lógica impiedosa do abandono. A única figura de responsabilidade do filme é um estado impiedoso pouco interessado nos pormenores de cada menor, enquanto Batata faz as vezes de uma mãe improvisada condenada ao fracasso, seja diante dos adolescentes que defende, seja perante o irmão caçula rebelde.

É um filme bastante monótono no tom, repetindo, sequência após sequência, as mesmas batidas, sem com isso ampliar o peso delas, apenas reafirmando a certeza de que estamos presos junto à personagem central num círculo de perda e abandono. A única alteração de mise en scene se dá nas sequências das exposições diante do juiz (Caco Ciocler, soterrado por um peso simbólico que a encenação não sustenta), quando a linguagem do filme busca uma objetividade distante, uma frieza descritiva para dar conta de como o sistema judiciário lida com o menor.

De Menor encontra seus momentos mais fortes justamente nas suas sequências iniciais, construídas sobre a relação dos dois irmãos. Como vêm antes de sua dramaturgia dominar a ação, são sequências que se beneficiam de uma intimidade entre os atores e que encontram a câmera de Caru Alves de Souza em repouso, muito mais relaxada, dentro do ritmo que as próprias personagens pedem. É um prelúdio que deseja servir como uma trégua antes do determinismo da ação tragar as personagens, mas é ali que a encenação de De Menor alcança seus momentos mais expressivos, sem que a opressão do projeto catalogue as imagens e as leve para o espaço do funcional. Se o filme quer se construir de maneira que este momento de paz entre os irmãos assombre o resto da ação, no campo estético o mesmo acontece, e reforça a impressão de que De Menor se contentou em tomar a saída mais segura. A maior tragédia do filme não é a do abandono das suas muitas personagens, mas o desejo de liberdade interrompido dos seus próprios planos. O filme tateia constantemente uma ruptura, mas rapidamente retoma a segurança do seu projeto, a certeza de um planejamento que procede em drená-lo da sua vitalidade.

Há, sobretudo, uma primazia de texto, uma crença no determinismo da dramaturgia que procede por asfixiar todos os méritos do filme. De Menor funciona melhor quanto mais relaxada e livre sua encenação se permite e há uma força genuína na câmera em constante movimento de Caru Alves de Souza, por mais reconhecíveis que sejam os seus procedimentos. Assistir ao filme é ver uma luta constante de procedimentos, com uma mise en scène que deseja e fracassa em escapar de seu próprio projeto. O filme é todo construído na tensão entre a adequação a um texto esquemático, todo fechado nos seus objetivos e dramaturgia, e uma encenação que busca simplesmente viver seus ambientes e personagens.

O plano final do filme, com Rita Batata sozinha com o peso da ação toda sobre o seu corpo, acaba simbólico da própria experiência do filme, ele próprio incapaz de escapar de seu determinismo social – no caso, o do cinema paulistano, tão implacável na sua mediocridade como a lógica que envia os clientes de Batata para a casa de correção. Cabe a Caru Alves de Souza somente administrar o projeto – que, como a maior parte dos filmes naturalistas paulistanos, existe na contradição de serem filmes que querem se aproximar do seu universo, mas parecem todos pensados antes do set de filmagem, como se realização fossem um fardo necessário entre projeto e filme. De Menor busca dar a este projeto uma arejada que aponte para um caminho e uma possibilidade de quebrar com seus próprios paradigmas, mas sua liberdade já nasce condenada à prisão. Com a necessidade de responder a um projeto e uma tradição medíocres, o filme realiza seu próprio determinismo.

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