Campo de Jogo, de Eryk Rocha (Brasil, 2014)

outubro 4, 2014 em Cinema brasileiro, Coberturas dos festivais, Em Campo, Em Cartaz, Filipe Furtado

* Cobertura do Festival do Rio 2014

campodejogo

A margem do espetáculo
por Filipe Furtado

O dado mais relevante de Campo de Jogo é apresentado já na cartela inicial: de que o campo de futebol que o filme retrata se localiza próximo ao Maracanã, descrito como palco da final da Copa do Mundo. Tudo em Campo de Jogo é ressignficado pelo extracampo: acompanha-se um jogo de futebol cujo valor ao mesmo tempo é determinado por tudo aquilo que ele não é. O projeto político do filme passa por afirmar justamente que não estamos no Maracanã, não estamos na Copa do Mundo da FIFA e todas as possíveis associações que isso traz, mas sim na final de um campeonato de favelas disputado todos os anos no Rio. As primeiras imagens do filme mostram o campo sendo demarcado com o cal, o que ao mesmo tempo reforça o amadorismo do evento e simbolicamente ajuda a delimitar aquele espaço de competição, tão ou mais lutada quanto uma partida oficial.

O espaço em Campo de Jogo existe à margem do espetáculo. É esta condição que o torna um objeto fascinante para o filme, mas paradoxalmente o movimento estético proposto por ele é justamente o de tornar esta quase pelada numa outra forma de espetáculo, e permitir que o confronto entre os times do Geração e Juventude (até os nomes soam significativos) possa existir como cinema. A partida é filmada de forma a justamente emprestar-lhe um caráter grandioso que contraste com o espaço acanhado no qual ela é disputada. Existe algo de Canal 100 nos flashes do jogo: as imagens que Rocha produz são menos interessadas na fluência da partida do que em lhe emprestar dramaticidade. Se o espetáculo da Copa do Mundo  pertence ao campo da televisão, esta partida à margem do espetáculo pertence ao campo do cinema. A afirmação daqueles jogadores naquele momento passa pela forma como o filme transforma aquele jogo numa partida de cinema.

Falta a Campo de Jogo, porém, uma segurança maior. O filme se arrasta de forma tateante, regurgitando pontos e se esforçando para chegar numa duração de longa metragem. Há um inegável fetiche pelo amadorismo no filme de Rocha. As imagens não escondem o prazer em registrar aquele campo acanhado, em mostrar o clima dos torcedores tão distantes daqueles que iam aos estádios da Copa. Em determinado momento, uma decisão polêmica do juiz faz com que os jogadores partam para cima dele e apontem que ele é limitado, que a federação não o escala mais, que há motivos para ele estar ali. A crença na autenticidade daquele espaço é algo ingênua – em alguns momentos o filme ameaça cair numa certa condescendência com o lado mais mambembe do evento – mas há um gosto por registar as discussões internas das equipes, o que ao mesmo tempo reforça o lado de guerra do confronto como o mimetismo com o futebol profissional. O filme é esperto o suficiente para reconhecer que se o amadorismo lhe fascina: todos os participantes do jogo adorariam estar no Maracanã.

Campo de Jogo traz à mente, paradoxalmente, o recente O Segundo Jogo (2013), de Corneliu Porumboiu. Se as imagens de Eryk Rocha são elaboradas na mesma medida que o VHS velho do cineasta romeno se revela desgastado, ambos os filmes dividem a mesma crença na potência do cinema e no jogo entre as imagens e as informações extracampo. Se os planos de Campo de Jogo respiram dramaticidade a ponto de Eryk Rocha arrastar a disputa de pênaltis – aquele momento dramático do futebol por excelência – tanto quanto cada um dos tempos do jogo, o filme segue assombrado pelo fora de campo. A partida que assistimos é dura e violenta, algo que só reforça com que pensemos o tempo todo nos protestos da Copa e os vários confrontos entre manifestantes e policia. O Campo de Jogo é, afinal, na sua essência um campo simbólico.

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