Bem Perto de Buenos Aires (Historia del Miedo), de Benjamin Naishtat (Argentina, 2014)

outubro 23, 2014 em Coberturas dos festivais, Em Campo, Pedro Henrique Ferreira

bpba

“Hoje não! Hoje não! Hoje sim…”
por Pedro Henrique Ferreira

Uma sensação de imobilidade permeia Bem Perto de Buenos Aires. É como se algo se repetisse em loop; termina e recomeça, legando a sensação de que não se foi adiante. Mas em cada retorno há também uma tensão. Colocado sob o efeito de suspensão, aguarda-se que algo entranhado jorre por estas fissuras para a superfície e, como um câncer latente, corroa tudo. O suspense é frustrado; não há nada. A superfície é impermeável. Mas há um crescendo, e uma ligeira impressão que, na próxima vez, o assoalho cederá e tudo virá abaixo.

Embalado neste andamento, o longa-metragem de estreia de Benjamin Naishtat aborda um tema caro a países em desenvolvimento (leia-se: países dominados por uma agenda nacional-desenvolvimentista, que ainda exibem fortes traços das divisões de classes): a possibilidade de uma elite viver em uma região sitiada, ora fisicamente, ora imaginariamente, e se ausentar completamente do turbilhão caótico exterior a ela – o caos típico de sociedades com violência gerada pela problemática divisão de rendas. Aqui, trata-se de uma espécie de condomínio privado ou área nobre sitiada por um muro onde vivem tranquilamente algumas famílias ricas.

Um temor ronda seus moradores, mesmo nas situações mais cotidianas possíveis. Como em O Som ao Redor (2012), por exemplo, o tom destas situações beira a ironia, ridicularizando o quão banais são os elementos que disparam o medo desta elite sitiada – o som de um alarme caseiro ou a luz que acaba na região. Da mesma forma como este outro impregna o humor da comunidade, ele cria, por exemplo, certo preconceito com o jovem jardineiro (o que há de mais perto de um protagonista num filme encenado com uma enorme frieza e distância, e no qual os personagens tem pouca ou quase nenhuma interioridade) somente por sua origem e condição. Mas os medos deste lugar pacato são o coeficiente resultante dos medos de um lugar “fora” dele, um outro que só surge nas imagens de violência da televisão ou no som incômodo de um helicóptero rondando a região; um outro que só aparece por vestígios e ausências, mas que também parece mais real ou vivo do que a realidade retratada.

Bem Perto de Buenos Aires se constrói por silêncios e ausências, por acontecimentos que se resolvem, mas não se desenvolvem, e deixam poucas pistas sobre o seu sentido no todo da trama; ou que são interrompidos abruptamente e nunca mais retomados. Apesar de construir situações individuais interessantes, Benjamin Nashtat peca justamente porque essa insistência em frustrar o suspense do espectador e fazer disso uma espécie de mote, a partir de certo momento, se não chega a se tornar exatamente previsível, produz certo enfado. A torcida é frustrada; seu grand finale não dá respostas às perguntas colocadas e repetidas ostensivamente de cabo a rabo, reiteradas sempre pelo olhar panorâmico do filme sobre aquelas famílias, mas expressa com concisão o seu limite: a luz acaba, nada se vê, cria-se uma espera e a expectativa de que há algo na escuridão; mas logo a luz volta e percebe-se que, em verdade, nunca houve nada.

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