A Busca, de Luciano Moura (Brasil, 2012)

abril 8, 2013 em Em Cartaz, Filipe Furtado

abusca1

Não-imagens à beira da estrada
por Filipe Furtado

Próximo do final de A Busca, seu protagonista revela que a viagem que forma o corpo deste longa de estreia de Luciano Moura fora de São Paulo até o Espirito Santo, e ao espectador é difícil escapar uma sensação de estranhamento: nada no filme sugere que a jornada do protagonista envolvera uma viagem tão grande. Mais do que a A Busca não ser marcado pelo controle formal necessário para sugerir o impacto espacial de um grande deslocamento, falta ao filme principalmente a imaginação necessária para um projeto como este. Para um filme que se propõe como uma jornada de redescoberta, seu mundo é estreito, incapaz de escapar das amarras mais limitadoras da sua proposta: um encontro leva ao seguinte, que leva ao próximo, e com eles cria-se, supostamente, a relação de causa e efeito sobre o personagem de Wagner Moura, sem que o filme jamais demonstre qualquer curiosidade sobre nada que lhe corte a tela.

A Busca procura se filiar à velha tradição dramatúrgica da viagem pelo país profundo como forma de redescoberta (uma carga dramática que é somada a múltiplas gerações de pais e filhos com relações mal resolvidas). Diz muito sobre o filme, porém, que ele jamais procure se aproximar a outra tradição, esta mais própria do cinema brasileiro, do filme de viagem pelo Brasil. Se podemos nos sentir aliviados de que, com isso, o filme evite a sociologia fácil que frequentemente acompanha tais empreitadas, esta mesma recusa garante que ele jamais escape do caráter de esboço: uma ideia de dramaturgia é proposta, mas jamais é posta em prática, porque todos os seus pontos já chegaram até ali perfeitamente digeridos. É comum se desmerecer um filme como A Busca como cinema de roteiro, mas trata-se de um erro: estamos na verdade diante de um cinema de escaleta que jamais considerou necessário pegar suas situações e pensar em como desenvolvê-las como drama, ou permitir que elas ganhassem corpo. É como se o filme acreditasse que o fiapo dramatúrgico inicial se bastasse por ele próprio.

Não há, em princípio, nenhum grande mal em A Busca procurar se filiar, sobretudo, à tradição do road movie americano. Mas esta opção, somada ao completo desinteresse pelas comunidades que visita, reforça a impressão de um filme composto muito distante das suas filmagens. É uma proposição que leva a momentos grotescos, como a sequência em que, ao chegar a uma cidadezinha onde o único celular existente pertence a um velho doente, Wagner Moura termina por roubar o aparelho para poder se comunicar com a esposa mais rapidamente. É uma das piores cenas do cinema brasileiro recente, não só de uma imensa fragilidade – mais do que qualquer outra passagem do filme, ela reforça a impressão de que Luciano Moura e sua roteirista Elena Suarez partem de pontos de chegada específicos, e tentam como podem, mesmo que por caminhos tortuosos, criar uma situação que os sustente – mas principalmente desprovida de um ponto de vista forte: ela esta lá porque decidiu-se que a transformação do personagem passa por um evento forte, como roubar um celular de um velho, e as implicações da situação em si existem muito distantes do filme.

abusca2
A Busca
nada vê.  Seus encontros foram pré-determinados em algum escritório paulistano muito antes do começo das filmagens e seguem uma lógica que deve essencialmente ou a uma herança audiovisual (toda a rave/parto poético) ou à necessidade dramática (as sequências com o velho que resgata Wagner Moura após ele ser atropelado).  Não deixa de ser curioso que um filme cuja estrutura parte de um protagonista que aos poucos baixa a guarda perante tudo à sua volta jamais consiga, ele próprio, relaxar e deixar o mundo simplesmente chegar até ele, seja, ele próprio, tão incapaz de fugir de uma mediação de cinema independente que já nasceu e morreu pronta. Neste sentido, não deixa de ser um dado muito representativo a troca de títulos, do excessivamente simbólico A Cadeira do Pai para o meramente genérico A Busca. Nada aqui busca o especifico; a falta de imaginação que domina seus encontros e a dificuldade de preenchê-los com detalhes próprios sugerem um filme muito mais à vontade com um título genérico como esse.

A Busca prossegue, ao longo de toda sua duração, em uma tentativa de apaziguar seus próprios conflitos, de encontrar imagens que purguem seus dramas sem que o filme precise lidar com eles. É algo que ele faz com sua carga de sucesso, se frequentemente a partir de cenas bastante problemáticas: na altura que Wagner Moura finalmente se vê na frente do pai – reencontro que desde as primeiras cenas se mostra inevitável – já não há drama algum ali; a reconciliação há muito já foi realizada por meio de uma série de planos de interior filtrados por todo um museu de imagens mais que surradas.

Luciano Moura encerra A Busca com uma sequência deslocada em que a esposa do protagonista (Mariana Lima) vai tomar banho de sol na piscina. Paralela à ação principal que vinha sendo finalizada, é de certa forma como se o filme estivesse se mantido ali, numa piscina do circuito Higienópolis-Jardins-Morumbi, o tempo todo, e sua viagem fosse só um pequeno pesadelo (e certamente não haverá pesadelo maior para um casal classe média do que um filho desaparecido) do qual se acorda reconfortado. Todo A Busca é um longo intervalo até que possamos retomar este isolamento; é um filme que se pretende de abertura, mas que na verdade só reforça seu universo fechado em si mesmo, sua ausência de um imaginário que não seja todo emprestado é sintoma do seu desejo de permanecer não perturbado, à beira da piscina.

Share Button