in loco - cobertura dos festivais

Hana (Hana Yori Mo Naho),
de Hirokazu Kore-eda (Japão, 2006)
por Paulo Santos Lima

Passo em falso

Hana é um filme que alimenta bem esse questionamento sobre a autoria ser algo a ser levado em conta numa análise, uma vez que o nome do diretor se faz um “selo de qualidade” que afeta nosso olhar desde o momento primeiro, o da exibição do filme, aguçando generosidades ou descrenças prévias. Pois Hirokazu Kore-eda, cineasta que, mesmo não sendo genial, fez um filme primoroso (o iluminado Ninguém Pode Saber, 2004), e pelo menos dois outros acima da média (Maborosi, 1996; e Depois da Vida, 1998), realiza aqui um filme abaixo de qualquer relevância, e de uma redundância atroz.

No entanto, Hana, de fato é um objeto coerente na obra de Kore-eda, onde a vida se faz sublime sob as condições mais abjetas (em Depois da Vida , os mortos têm a chance de experimentar virtualmente coisas que não fizeram quando vivos, ou seja, morrer é como estender o potencial limitado de vida na Terra). Estamos aqui no século 18 e Sazo, samurai por extensão, tem como herança vingar a morte do pai. Ele reluta, menos por ser covarde (um tanto é, e isso é visto com certa beleza no filme) e mais por não acreditar naquele culto de violência e morte — e não à toa ele é um professor.

Exemplar, como sempre nos filmes do cineasta, é como o cotidiano é trazido na tela, no caso, o da pobre aldeia da periferia da Casa Edo, um espaço completamente carcomido pela pobreza. Mesmo sob forte penúria material, o humor se faz resistência ali, e certa altivez, pois até merda eles vendem (como adubo), sem jamais curvar a cabeça. A própria cultura samurai, bélica e meio fora de prumo ali e nos arredores, é encenada, em tom bufo, de chacota, pelos aldeões, o que deixa claro que a arte é uma peça de resistência contra a barbárie.

Tudo muito bonito, pró-vida, pró-arte, muito bio e cult. Mas, é isso? Se Ninguém Pode Saber, por exemplo, trabalhava os tempos mortos, câmera acompanhando os molequinhos em seus silêncios e andanças pelas ruas, num prolongamento das tomadas notável e moderno, este Hana é todo trabalhado com diálogos (maus diálogos, todos eles com enunciados rasos, quando não redundantes) e montagem bastante convencional. Vejamos bem: não há problema algum em se fazer um cinema de tecelagem mais clássica, mas essa opção revela mais certos problemas narrativos (o que se está a falar mais do que como se está a falar).

Aí surge o grande problema, e aqui a autoria coopera para afundar de vez o filme: redundância. Redundância na repetição e desdobramentos banais de inúmeras situações que parecem não ser nada além de clones de outras situações anteriores (mais de uma vez vemos Sazo declinar em lutar, muito é falado sobre seu pai, personagens que surgem, a peça de teatro que é comentada o filme inteiro, o amor perdido de um aldeão por sua bela ex-namorada de juventude que surge no terço final da história etc). A confusão não se faz como no estranho e enigmático Tão Distante (2001), mas sim por um garrancho de roteiro e de projeto cinematográfico.

E essa redundância torna-se colossal quando abrimos o leque para a obra de Kore-eda, que vê há tempos tratando dessa questão. Assim, se não é pela construção onírica do espaço (cenografia, luz e câmera) de Depois da Vida, se não é pela referência distante e estetizada ao neo-realismo em Ninguém Pode Saber, não há muito por que repetir a defesa da vida de forma tão textual num filme. Porque, sem uma certa secura “realista” ou carpintaria formalista, a coisa vira quase um manual de ensinamentos. Algo a ser escrito. Ou então Kore-eda pode estar se inclinando ao Kim Ki-Duk de Primavera, Verão, Outono Inverno, Primavera, aquele filme todo cheio de imagens “poéticas” sobre homem, natureza e vida. O que é bastante assustador.

Setembro de 2007

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