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A Terrível História de Haeckel (Haeckel's Tale),
de John McNaughton (EUA, 2006)
por Diego Assunção
Insuspeito mestre
Pode-se ficar surpreso com a notícia de que John McNaughton faça
parte do grupo dos “Mestres do Horror”, série idealizada por Mick
Garris que reuniu talentos tão dispares quanto Dario Argento e
Joe Dante. Ao contrário de John Carpenter, que compõe o quadro
dos “mestres” e que também dirigiu filmes de gêneros distintos,
McNaughton nunca realizou um filme de horror “legítimo”. Talvez
Retrato de um Assassino possa ser considerado como sua
maior contribuição para o gênero, mas até nele o horror se manifesta
por meios pouco afeitos às convenções do gênero (como acontece,
aliás, no episódio de Tobe Hooper para a série): o horror nesse
filme é conduzido pela rotina maçante no qual vivem seus personagens
psicopatas.
Fora Henry, o cineasta realizou películas
muitas vezes zombeteiras a qualquer convenção, fitas iconoclastas
que indiciaram sua formação no cinema B e à margem televisiva
em meados dos anos 90 – a frutífera parceria com Bill Murray,
com seu cinismo característico, colaborou muito para solidificar
o “livre acesso” do cineasta entre gêneros distintos em um único
filme. De fato, se McNaughton não é famoso por ser um mestre na
especificidade do gênero de horror (como Argento, por exemplo),
ele é sim mestre em filmar materiais dos mais variados e ainda
imprimir nesses filmes sua particularidade – a visão apocalíptica
da humanidade na ficção-científica humorística Ameaça do Espaço
não é muito diferente do brutal Henry - Retrato de um Assassino.
Assim, à pergunta “qual a mestria do trabalho de McNaughton que
o levou a integrar essa realeza?”, uma resposta mais que satisfatória
se apresenta ao término do episódio dirigido por ele, A Terrível
História de Haeckel.
Assim como no cinema de um Terence Fisher, McNaughton
introduz um mundo esnobe de aparências para então descortiná-lo
e chegar ao imponderável. Após um início pouco promissor, uma
aparente reciclagem de algum Frankenstein ruim, o imponderável
surge quando o jovem médico Haeckel, após infrutíferas pesquisas,
procura um necromante para tentar descobrir seus truques para
a ressurreição de mortos. Essa busca o levará por caminhos inimagináveis,
não distante dos resultados experimentados pelo Dr. Frankenstein
feito por Peter Cushing nos filmes de Fisher.
O
necromante Montesquino (papel que caberia ao Bill Murray, mas
que é feito brilhantemente por Joe Polito, sumido do cinema e
muito requisitado na TV) é o responsável pelo desviar da trama
e também por encaminhar o filme para a quebra de expectativa e
julgamentos, dando de encontro com a obra anterior de John McNaughton,
Falando de Sexo. Se ali McNaughton recorria às comédias
amalucadas dos anos 30 para discutir o sexo que, por mais racionalizado
em um mundo cada dia mais domesticado, colocava o homem como ser
primitivo que é, em A Terrível História de Haeckel o cineasta
retrocede à época vitoriana (puritana e hipócrita) e encena uma
orgia dionisíaca entre defuntos caquéticos e lindas lolitas.
Fazendo aquilo que de início parecia apenas uma
obra de um “batedor de ponto” se transformar em uma versão hardcore,
inclassificável, de Falando de Sexo: em A Terrível História
de Haeckel John McNaughton mostra, definitivamente, que não
há barreiras para o sexo. Mortos transam com moças vivíssimas,
o horror flerta com a comédia e McNaughton, fazendo TV no século
XXI, flerta com o cinema de Fisher – que por sua vez bagunçou
os pilares dos filmes de horror na Hammer, na segunda metade do
século XX. A Terrível História de Haeckel é uma orgia cinematográfica
(ou seria televisiva?) das boas.
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