olho no olho - virtual Um
comentário estrangeiro Conversa
com Guillaume Marion, delegado-geral do festival 3 Continents, de Nantes por
Felipe Bragança
Em novembro último, eu estive
por sete dias no Produire au Sud, workshop de co-produção internacional para paises
emergentes com a Europa, com A ALEGRIA, longa-metragem que estou me preparando
para rodar ainda este ano. Em meio às conversas de corredor, um comentário de
Guillaume Marion, delegado-geral do Festival 3 Continents, que abriga o seminário,
me chamou a atenção: a de que eram poucos os filmes brasileiros cuja proposta
de produção era atraente para um formato de co-produção européia “de arte” (ou
independente, de risco, como queiramos chamar). Isto posto, chamei o francês para
tomar um café e conversar mais um pouco. Felipe: Você
sabe que eu marquei essa conversa por causa daquele seu comentário ontem antes
das apresentações. Eu fiquei ao mesmo tempo entusiasmado por sentir que também
aqui fora fica claro que há algo de deslocado no formato padrão de produção generalizado
no Brasil, mas também um pouco curioso de comentar com você de que forma exatamente,
a seu olhar estrangeiro, de organizador de um festival focado na produção da América
Latina, Ásia e África, isso se apresenta. Guillaume:
Eu tenho, nós temos, muito interesse pelo cinema brasileiro, pela historia, pelos
grandes filmes que já realizou. Tanto assim que vamos realizar um Produire au
Sud no Brasil ano que vem... Por outro lado, me parece ainda difícil entender
o porquê de um país com uma tradição de cinema tão forte não ter conseguido garantir
um espaço hoje para formas de produção mais, digamos, abertas ao risco. Eu tenho
a sensação, aqui de fora, que recentemente o espelho da produção brasileira e
da parte da política dos filmes é de uma vontade industrial – não sei, talvez
eu pudesse chamar de uma vontade de ser uma sub-Hollywood, um espelhamento por
esse lado. Mesmo grande parte das produções independentes, as que procuram vir
fazer parte do Produire au Sud, por exemplo, em termos de orçamento e estrutura
têm um tamanho e uma rigidez de produção incompatíveis com parcerias européias
para filmes de circuito alternativo. Felipe: Isso
é uma velha questão no Brasil, essa vontade de industria que fica querendo se
afirmar como potencial econômico e ao mesmo tempo querendo se manter com os recursos
estatais ad infinitum. No cinema, isso tem tido um efeito cruel: as políticas
públicas não conseguiram ainda desenhar com firmeza que deve haver um incentivo
ao desenvolvimento do audiovisual como comércio, sem que isso signifique esmagar
uma produção cinematográfica de maior risco estético e eu diria, de maior inventividade
– em suas formas de propor o dialogo com o caldo cultural contemporâneo no pais.
O cinema foi virando uma esquizofrenia entre o wannabe o filme-do-ano ou
um certo cinema de bistrô, esmagado entre cafés e livrarias. Não que os cineastas
estejam felizes com isso, ao menos parte deles não está – mas é uma fuga que o
cinema de menor porte teve no Brasil. E isso é um horror porque tem também sérias
influências estéticas... Estamos agora começando, em verdade, a tentar mudar as
bases desse pensamento e de tais ações. Guillaume:
É curioso ouvir você falar isso porque muitas vezes, aqui fora, temos dificuldade
de ter acesso ao cinema brasileiro de maior risco estético, se é que ele existe
da forma como você parece sugerir, em alguns casos. Claro que aparecem grandes
filmes, sem dúvida, mas o conjunto das coisas que me chegaram tem ainda uma certa
dualidade entre esses dois caminhos: nem se assumem como entretenimento cultural,
celebração de gênero, nem se arriscam como arte. Os filmes brasileiros que nos
têm chegado, em sua maioria, se destacam por uma abordagem urgente de alguns grandes
temas, como a violência, etc, mas se colocam muito como pequenas super-produções
e uma forma de se valorizar que soa confusa para o tipo de mercado de arte que
existe na Europa. É complicado conversar com um co-produtor europeu nos termos
e nos tamanhos de alguns dos filmes brasileiros ditos pequenos, de arte, independentes,
senão da maioria. Entendeu? Os pequenos filmes brasileiros muitas vezes são grandes
para serem bons para o nível de investimento que o mercado de cinema de arte na
Europa pode hoje investir... Existe um interesse aqui, mas por algo que nem sempre
nos é, digamos, apresentado. Felipe: Essa ponte parece
falha... Esse diálogo. Olha, o que parece é que, e eu tenho sentido esse preconceito,
com cada um com quem eu vou conversar eu preciso explicar de cara que meu filme
APESAR de ser brasileiro, não é um projeto de 2 ou 3 milhões de euros, ele não
se propõe a ser um sub-produto televisivo, ele quer e precisa de parceiros dentro
de um projeto de cinema, estético e de difusão, que pense em outros termos de
sustentação. Existe gente nova, outras coisas, acontecendo. Esse canal entre os
produtores europeus e os pequenos produtores e especialmente , os jovens realizadores
brasileiros é que me parece falho. Guillaume: Entendo.
Isso passa também por uma outra questão, Felipe. Algo que é muito típico da distância...
O que acontece com o Brasil, pra nós, aqui fora, é que muitas vezes nomes como
o de Fernando Meirelles e Walter Salles se tornam tão fortes internacionalmente
que é difícil pra gente conseguir ter acesso a outros canais. Ou seja: a força
do cinema deles e a forma como eles circularam aqui na Europa fizeram com que
todo produtor europeu de alguma forma associe qualquer projeto de cinema brasileiro
a esses dois nomes. E isso pode ser ótimo, dá uma visibilidade e uma respeitabilidade
enorme, mas ao mesmo tempo parece criar uma barreira porque são nomes muito associados
aos grandes filmes... É diferente de outros centros menores de produção, como
a África, alguns países da Ásia, ou mesmo a Argentina, em que o foco, o movimento,
a agitação, tem se dado em torno da noção de multiplicidade de nomes jovens que
têm conseguido manter alguma carreira em suas parcerias com a Europa. Talvez o
México, hoje, tenha sido o único pais a de alguma forma estar começando a conseguir
construir esses dois cenários: de um lado, alguns grandes nomes internacionais
que se infiltram no mercado norte-americano; de outro, nomes como o de Reygadas
e algumas outras jovens possibilidades, que apostam em outra forma de cinema e
quem tem algum espaço para se desenvolver... Felipe:
No Brasil, me parece, não existe ainda, fixada, essa noção de uma movimentação
conjuntural. Isso tá começando agora, mais intensamente nos últimos cinco anos:
um diálogo com uma critica renovada, festivais de cinema que começam a ser curados
por gente mais incisiva, um esforço de algumas figuras interessantes dentro do
poder público... Mas essa vontade que hoje já se identifica, parece ainda bater
na fragilidade econômica dos projetos de pequeno porte, que passam muito tempo
para serem rodados, em sua maioria. Tenho a impressão, e pensando com a cabeça
de produtor de meus próprios curtas e agora do longa, depois desses dias aqui,
que precisamos é conseguir afirmar essa nova identidade, ou melhor: conseguir
expressar essas novas identidades que lá já estão. Algo que valorize acima de
tudo a leveza e a possibilidade dessa nova geração de cineastas, como o Marcelo
Gomes, Ainouz, o Sergio Machado, que tiveram filmes de boa circulação por aqui,
puxarem também uma geração diversificada de cineastas mais jovens, que estão saindo
dos curtas, e mesmo valorizar a obra de alguns veteranos realizadores e produtores,
que mantêm o vigor estético e não vivem de uma carreira passada como quem vive
de uma herança... ou de um titulo de nobreza. Guillaume:
É muito interessante pra gente, digo, pensando com a cabeça dos produtores e organizadores
de festivais europeus, a possibilidade do Brasil oferecer mais do que fórmulas
de sucesso ou temas pungentes. Porque essas fórmulas se esgotam rápido aqui fora.
O interessante seria cultivar uma nova conexão mesmo, entre quem realiza dentro
de um padrão que interesse ao mercado europeu de arte e os produtores daqui. Um
chamado pequeno filme brasileiro, que chega aqui buscando meio milhão euros vai
ficar falando sozinho na maioria das vezes. Isso passa também pela moeda relativamente
forte de vocês, mas o fato é que, olha, um filme de um estreante argentino médio
custa menos da metade, o filme todo e tem retorno também por causa disso. Se um
investidor europeu coloca 150 ou 200 mil euros em um filme, isso talvez seja o
limite pra este mercado, pensando de forma inteligente e responsável. Por isso
me interessei pelo formato de produção do longa de vocês – tem alguma vontade
ali de encontrar esse outro tamanho para um filme que nos interessa para co-produções...
Porque tem que se entender que este é um mercado, sim, sustentável – de menor
porte, mas um mercado, e que precisa de filmes que se conectem a ele. Felipe:
Não é questão de pensar pequeno, mas de pensar... A noção de pequenez no cinema
do Brasil é meio caótica e surrealista. Por isso é tortuoso você produzir e fazer
circular um filme como o A ALEGRIA, e quando eu converso com alguns amigos,
colegas, outros cineastas, todos passam por esse mesmo problema: não existem canais
claros, um sistema, um aporte objetivo, para a produção de filmes de pequeno porte
no Brasil. Não estou falando de filmes no-budget, mas de filmes de baixo
orçamento. Fora alguns editais públicos, o que nos resta é tentar um dialogo de
bêbado com majors e distribuidoras que, em sua maioria, mesmo que se interessem
pelo roteiro, vão propor de cara um inchaço no tamanho do filme: equipe, forma
de filmar, produzir... Acabam sempre, de partida, condicionando os filmes a algumas
demandas, não exatamente estéticas (porque disso eles entendem muito pouco), mas
de colocação de mercado, de agendamento estético e econômico, talvez. Um alemão,
de uma grande distribuidora, ontem me disse que ele concorda comigo e acha que
isso é um problema interno de luxúria dos brasileiros e que a gente tem que resolver
isso antes, entre nós, antes de vir pra cá pedir mais dinheiro sem nem saber administrar
bem o que já temos. O que não deixa de ser uma verdade cruel, apesar da secura
dele: nós temos algum dinheiro para o cinema, mas grande parte dele é investida
em projetos que parecem sempre ter pernas grandes e finas demais. E ai ou o filme
se faz somente no mercado interno (repetindo fórmulas de sucesso televisivo ou
como fenômenos isolados), ou se vê nesse limbo na tentativa de se pagar, se sustentar,
no mercado externo... Os filmes de arte no Brasil, são tímidos? Os filmes comerciais
no Brasil, também... É de uma hipocrisia cultural tremenda não assumir que são
duas posturas econômicas diferentes – ambas econômicas, mas gestos diferentes,
tipo de circulação de capital diferente... Não dá pra tratar da mesma forma. Guillaume:
Isso me parece mesmo confuso para vocês – digo, pra nós é difícil entender: as
últimas grandes indicações de filmes brasileiros que nos chegaram, e falo de Cannes
também, por que estive lá na seleção, sinceramente, ou eram filmes de grande porte,
de sub-gênero, sem interesse de linguagem especifico e portanto, sem potencial
pra festivais, ou eram filmes que pareciam ter medo de ir fundo em um verdadeiro
projeto de risco. Existem casos especiais, alguns filmes de Cannes este ano, por
exemplo. Ou o que temos aqui e gosto muito: Proibido Proibir. Desse ultimo
ano, é um dos filmes mais interessantes. Não sou entusiasta do filme, mas acho
que se o filme médio, se o filme honesto e médio brasileiro fosse assim, seria
um sinal de um dialogo saudável com o mercado interno e o externo. Felipe:
Entendo. Já disse algumas vezes que uma das coisas que mais falta ao cinema brasileiro
são produtores, bons produtores, inteligentes, abertos ao risco – e um sistema
que favoreça essa postura. E também mais diretores que consigam se afirmar mais
como realizadores, ou seja, como proponentes de um projeto estético que começa
lá atrás, no tamanho do filme, não apenas no set, no enquadramento, como se arte
fosse algo apartado da máquina que a coloca para funcionar... Voltando à nossa
questão central: a impressão que eu tive aqui, nesses dias, para minha surpresa
é que parece que, de alguma forma, o cinema brasileiro dito independente ainda
não encontrou sue tamanho, sua forma de ser de fato uma forma alternativa de produção.
E que tem tentado co-produzir com a Europa posando uma pose que não interessa
a maioria dos parceiros por aqui... Foi a sensação que eu tive, cada vez que eu
falava da pequenez do nosso filme e via que, ao invés de um problema, como muitas
vezes no Brasil é visto, era visto como algo corajoso, uma possibilidade de um
risco inteligente. E ai talvez esteja uma janela pra outro tipo de filme se colocar,
um outro trajeto... Guillaume: Tomara que essa possa
ser uma tendência, que as coisas possam se fortalecer para este outro lado. Fico
curioso de ver e conhecer mais filmes que pensem assim – pelo que você disse,
tem muita coisa interessante acontecendo, nos curtas e em alguns primeiros longas
por-vir, especialmente, mas que não chegaram ainda aqui... fico curioso. Conversa
gravada em Nantes – França - Novembro de 2007 Transcrita e editada em Janeiro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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