in loco - 37o festival de gramado
Dia 4: Miséria espiritual é o nosso negócio
por Rodrigo de Oliveira

Nochebuena, de Camila Loboguerrero (Colômbia, 2008)

O tempo que o leitor gastará com esta crítica (curta) será ainda menor que àquele que se leva para perceber como Nochebuena é um filme errado, ruim como poucos tem o talento para ser, numa mistura esquizofrênica de O Anjo Exterminador (ricaços que se reúnem num casarão aristocrático decadente e descobrem como são pessoas terríveis, ao longo de uma noite de festa) e O Cheiro do Ralo (porque o esgoto da casa estourou, e o cheiro de merda é uma metáfora bastante "elaborada" para a falência econômica e moral dessa gente). Camila Loboguerrero consegue arregimentar tudo aquilo que de pior se possa esperar de uma pequena farsa sobre as mazelas do espírito latino, irremediavelmente latino, do qual nunca conseguiremos escapar. A começar pelo fato de desconsiderar completamente que só há possibilidade de farsa uma vez que se tenha alguma lucidez no olhar sobre a realidade à qual ela se colocará como alternativa/pastiche. Um governador corrupto, uma viúva rica, uma matriarca arrogante, um filho pródigo e canalha, seu irmão beberrão, a empregada inocente, os tipos todos vão se aglomerando sem qualquer pudor, como se saíssem de um carro de palhaço para animar um circo em que já sabe exatamente o que esperar do espetáculo (não por acaso, aliás, o filho canalha faz uns truques de mágica para dar uma animada na família). Há até mesmo um plano da casa destruída ao final da noite, com uma árvore de Natal tombada, o canalha abandonado à própria sorte e um porco andando pela sala, daquelas coisas que te fazem levantar da sala e acender uma vela para Buñuel, pedindo perdão por termos chegado até ali. Quando o dia seguinte finalmente chega, teremos a confirmação que nossa escrotidão é insuperável, que o jeitinho é o que sustenta nossas relações sociais e, sobretudo, que o "nós" que Loboguerrero tenta a todo o momento aplicar ao retrato do filme é uma grande armadilha para os sedentos por crítica social "ácida" e cineminha de porta de estúdio de novela. "Nós" uma vírgula.

Agosto de 2009

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