in loco - cobertura dos festivais
Gatos Velhos (Gatos Viejos),
de Sebastián Silva e Pedro Peirano (Chile, 2011)

por Juliano Gomes

RaniaAnimais domésticos

Gatos Velhos se inicia demarcando seu foco e seu espaço, acompanhando a personagem Isadora (Belgica Castro) e seu marido Enrique (Alejandro Sieveking) em seu apartamento entulhado de bugingangas e seu cotidiano solitários de anciãos numa metrópole. Não importa o retrato geral, a relação das figuras com o contexto, ou qualquer tipo de generalização. Claramente há uma fome por singularidade aqui, por um retrato que emane única e justamente dos detalhes e pequenos movimentos de seus personagens captados através de uma câmera muito próxima e oscilante, que nos dá tanto uma dimensão de enclausuramento quanto de proximidade quase excessiva daqueles corpos.

O primeiro paralelo, entre o casal e o apartamento, através da idéia de acúmulo e da caracterização literal de pessoas que não se desfazem das coisas e acumulam indefinidamente, que não deixam espaço para o novo entrar, se torna claro de início. Um primeiro golpe à caracterização se dá aqui, pela relação direta entre figura e fundo, tornando um semelhança do outro. Entretanto, a figura humana é o guia no filme, principalmente através da interpretação de Bélgica Castro que varia entre a caricatura excessiva e uma precisão incomum no tom.

E se os dois gatos do título são o contraponto dessa relação de espelhamento, provocando difração no reflexo, a filha Rosário e sua namorada Hugo são os elementos que vão marcar a opção deliberada dos diretores pela caricatura, isto é, pelo exagero em determinadas características buscando efeitos fáceis, como na fragilidade de Isadora pela sua idade avançada.O casal homossexual, que irrompe no apartamento na segunda metade do filme, leva o que poderia ser um drama preciso sobre a solidão e a degeneração causada pelo tempo para uma observação vouyeurística de tipos que não param de confirmar seus estereótipos, até que se chegue a uma virada final pela chave da moral da compaixão. A força visual de algumas seqüências dentro da casa, como por exemplo a de Isadora no chuveiro tendo uma espécie de amnésia ou iluminação, acaba se diluindo diante da insistência em criar dramas fáceis como a da cena onde Isadora tem que descer a escada e sua filha não lhe ajuda.

Não se trata de exigir de forma alguma uma “humanização” dos personagens como garantia de uma justiça moral, que asseguraria uma justeza no retrato segundo uma fórmula contemporânea muito comum. Mas, a partir do momento que se estrutura o filme como um estudo de personagens, confinado-os a um mesmo local, e seguindo-os com proximidade quase invasiva, é preciso que seus mistérios sejam preservados, no sentido de que sua presença seja tão expressiva que não possa se esgotar no primeiro adjetivo que vem à cabeça ao observar uma senhora com problemas de senilidade. A junção entre as ferramentas de um realismo cru em câmera na mão, perfeitamente adequadas a um repertório de cinema latino de festivais, e um desenho moral e dramático raso torna o que poderia ser uma experiência imersiva, de real sensação de intimidade e proximidade com os personagens, numa simples observação sórdida de tipos a confirmarem seus próprios papéis.

Outubro de 2011

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