admirável mundo novo
Futebol de sala
por Cléber Eduardo

Se estivermos na opção wide de câmera (minha preferida), o plano é parcialmente aberto, com visão razoável do campo, de modo a antevermos, com maior amplitude, as possibilidades do extra-campo. Assim, o jogo não está apenas centrado na bola, mas também ou, sobretudo, na construção do lance seguinte, na movimentação de parte do time e no posicionamento do adversário, sem com isso termos o plano geral e totalizante. Com sua transmissão em plano-sequência, tendo a câmera em ligeiro plongée, a opção wide do Winning Eleven 10 (Playstation 2), assim como nas edições anteriores, reserva a visão detalhista, mais próxima dos atletas, para as cenas exibidas em replay (de outro ângulo) ou para os momentos em que o jogo está parado (início de briga, reclamação com juiz, substituição).

Em relação às transmissões televisivas do futebol de carne e osso, que insistem na quantidade significativa de imagens que nos instalam dentro do campo, raramente abrindo um pouco mais o plano para vermos a partida em perspectiva, o Winning Eleven prioriza o contexto em detrimento da minúcia, ou, em termos cinematográficos, filia-se mais a Bazin que a Vertov. Procura a continuidade da ação no tempo e no espaço sem o uso dos cortes, sem mudanças de ângulos para se ver melhor e com enquadramentos impossíveis para o olho humano (cine-olho), apenas aplicando travellings ou panorâmicas de acordo com a movimentação da bola.

O espectador-jogador tem a visão de um treinador que acompanha a partida por uma câmera. No comando do joystick, controla seus atletas como se, munido de um radinho, os instruísse a executar cada movimento, cada passe, cada drible, exercendo a atividade do treinador total, sempre sustentado por sua visão privilegiada. Seria esse um jogo da ciência e da programação, sem a imprevisibilidade do jogo real, sem nenhuma individualidade para quem está em campo? Em parte sim, em parte não. Os imprevistos permanecem: lances geniais na teoria dão errado na prática, ou por falta de precisão de quem comanda o joystick, ou por esperteza do adversário (computador ou humano). A diferença é que, apesar dos poderes limitados por suas próprias limitações e pelo potencial do “outro”, o treinador torna-se um Dr Mabuse, ou, dentro da mitologia cinematográfica, um Alfred Hitchcock. Se insistirmos na comparação, os jogadores são gado, seres controláveis, que apenas cumprem determinações, certas ou erradas. No entanto, há um outro rebanho, um outro cineasta, que, a rigor, tenta destruir nossa mise en scène.

Os elencos em confronto também são distintos. Cada jogador tem sua individualização física: uns correm mais, outros chutam mais forte, há quem cabeceie com mais precisão, quem divida com mais sucesso. Até porque um dos maiores encantos gerados pelo game é sua disposição para o mimetismo, sempre procurando imitar o futebol real, tanto na aparência e no estilo dos jogadores como na dos estádios. Algumas semelhanças são espantosas, como se o jogador tivesse sido abduzido ou escaneado. Raras são as discrepâncias entre modelo e sósia (sendo a maior telas, talvez, a do ala direita Cicinho, que é alto, mulato e semi-careca no game). Mas a maior parte é um xerox virtual. Robinho pedala, Roberto Carlos tem um canhão nos pés, Ronaldo cansa rápido e tem de ser substituído, Beckham tem chute venenoso, Figo anda decaindo, Giuly é pura velocidade (mas anda ficando mais lento). Já a qualidade dos times defendidos pelo computador pode surpreender. A Austrália e Angola, por exemplo, às vezes aplicam goleadas. Mesmo se estivermos defendendo Brasil ou Portugal. No Playstation 2, pelo menos, acontecem surpresas na Copa do Mundo. E se não fosse assim, qual seria a graça?

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