ensaios
A função da crítica
por Jonas Mekas, em tradução de Daniel Caetano

Publicado em 19 de Setembro de 1963

Qual é a soma total do outono? Qual é o seu conteúdo, a sua forma e o seu propósito? O seu estilo, com certeza, tem unidade. Mas qual é o resultado? Bem, mas qual foi o resultado do verão, com seu verde, flores e o sol? Os tons vermelhos e amarronzados vão se espalhar logo. Esse foi o resultado do verão.

E vocês me perguntam sobre filmes. Eu não sei qual é o resultado de qualquer filme. Eu estou mais à procura de alguma luz por trás daquilo, por trás das imagens: eu estou tentando ver o homem.

Foi Barbara Wise quem me disse outro dia, e ela estava certa: o crítico de cinema não deve explicar sobre o que trata o filme, o que seria algo impossível; ele deveria ajudar a criar a atitude certa para ver filmes. A minha briga é toda em torno disso, nada mais.

Mas onde eu estava? É, brigando. Eu vou lhes dizer a verdade: tudo que eu aprendi na vida (e eu vi muitos filmes) resulta nisso: as folhas sempre caem no outono. Eu estarei lá com a minha câmera quando elas caírem.

Sobre Losey

Eu fiquei triste com o filme de Losey, O Criado, porque ele não foi a lugar nenhum. A diferença, digamos, entre as obras de Stan Brakhage ou Jack Smith e a obra de Losey é que enquanto os atos criativos de Stan e de Jack são parte de seus intensos movimentos internos, e enquanto Stan e Jack usam a sua arte para ganharem impulso e irem adiante, a obra de Losey – e eu posso estar muito errado – me parece ser a obra de um homem que parou em algum lugar e tenta agora olhar para o seu passado, por trás dos ombros, refletindo sobre ele, meditando, revendo de todos os pontos de vista, enquanto ele mesmo não sai mais do lugar onde parou. É uma arte clássica, estática, Apolínea. A arte de Brakhage e a de Smith me dão a impressão de serem pedações de algo enorme que está chegando muito perto deles, enquanto eles tentam parar com suas mãos e seus corações, tentando seguir adiante; pedaços cortantes e muitas vezes dolorosos. Depois de cada novo pedaço, depois de cada nova obra, eles estão um pouco adiante de onde estavam antes, embora eles talvez não saibam mais sobre o passado (Losey sabe).

Sobre Andy Warhol

Não é preciso ser uma obra de arte complexa ou gigantesca para ser uma testemunha de um apaixonado movimento para frente. Andy Warhol, por exemplo, está fazendo o filme mais logo e mais simples que já fizeram: um filme de oito horas que não mostra nada além de um homem dormindo. Mas esse filme simples vai empurrar Andy Warhol, assim como vai me empurrar, e mais alguns outros que já assistiram – mais adiante de onde estávamos antes. Porque é algo belo como qualquer coisa que esteja viva. Qualquer coisa que esteja viva é bela – essa é a minha afirmação desta semana.

Ó, cinema! Foi Roland Kirk quem disse outra noite no Village Gate, e eu acho que vale a pena relembrar: “algumas pessoas têm olhos, mas não têm ouvidos”.

Agosto de 2011

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