edição especial curtas brasileiros
2009 Instantâneos de um pretérito
imperfeito por Luiz Soares Júnior
Flash
Happy Society, de Guto Parente (Ceará, 2009)
Em
Flash Happy Society assistimos a uma festa, num plano geral que é interditado
por flashs paralisadores, castradores da duração. Stills, instantâneos:
a câmera é uma máquina de seviciar o tempo? De não apenas enquadrá-lo- delimitá-lo,
revolvê-lo, torná-lo sinuoso, tridimensionalizá-lo, como nos experimentos de Resnais
e Duras, mas igualmente de escravizá-lo ao seu bel prazer?
Barthes,
em A câmara clara, livro sobre a fotografia, analisa a foto de Lewis Payne,
conspirador no assassinato de W.H. Seward, Secretário de Estado americano, em
1865, fotografado na prisão poucos dias antes de morrer. Releiamos: “O punctum
é: ele vai morrer. Eu, ao mesmo tempo, leio: isto será
e foi; observo com horror um futuro anterior no qual a morte já está em jogo”.
Em Flash Happy Society, não se trata de um indivíduo, mas de uma comunidade
de indivíduos: daí a serialização do “punctum”, o caráter “em série” da máquina
de flashs, que transformam a celebração num registro médico-legal deste
futuro anterior, desta morte anunciada que se inscreve como a “aura destrutiva”
da fotografia – mas que, até certo ponto, no cinema é anulada pelo líquido
amniótico do tempo, que preserva a vitalidade da presença.
Em
Flash Happy Society, porém, os domínios se confundem: os personagens são
engolfados, progressiva e fatalmente pela escuridão, pelo intervalo entre um flash
e um outro, entre um átomo de tempo e outro; são transformados (como o jovem e
belo Lewis Payne, descrito por Barthes) em fantasmas avant la lettre: alucinações,
projeções, irisações da matéria pela luz e pelo tempo intermitente; a(s) duração(ões)
do cinema violentada(s) pelo flash da fotografia. Flash Happy
Society: um filme de terror estruturalista?
Janeiro
de 2010
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