Fica Comigo Essa Noite, de
João Falcão
(Brasil, 2006)
por Lila Foster
Mais
um passo em direção ao cinema
Escritor e diretor consagrado no teatro, João
Falcão adapta novamente uma peça para as telas. Produzido por
Diler Trindade, produtor de vários blockbusters nacionais
que também produziu a estréia de Falcão em cinema (A Máquina),
Fica Comigo Essa Noite passou por vários diretores. João
Falcão só aceitou dirigir o filme, baseado numa peça originalmente
escrita por Flávio Souza, se fizesse alterações no roteiro – em
A Máquina ele trabalhou num roteiro que havia encenado
também no teatro. Curiosamente, se este filme pode ser considerado
menos “seu”, o roteiro e a direção são muito mais acertados do
que em A Máquina.
Fica Comigo Esta Noite pode ser classificado
como uma comédia romântica post mortem, pois, além de ser
narrada por um morto, versa sobre a sobrevivência do amor para
além dos limites da vida. O filme narra a estória de Edu e Laura,
que se conhecem por acaso numa livraria, se apaixonam durante
um show e, como consequência deste amor fulminante (ela larga
um noivado inclusive), se casam rapidamente. A velocidade dos
acontecimentos só faz sentido porque desde o começo já sabemos
que Edu narra a sua história já do outro lado da vida.
Em voz off, ele refaz esta pequena trajetória
do romance para chegar no momento de conflito entre o casal: por
conta das excessivas viagens do músico Edu o casal se desentende,
e é nesse clima de “briga por pequenas coisas” que eles vão passar
o seu último dia juntos. Após uma discussão interminável, Edu
morre repentinamente e Laura sai de casa sem perceber (ele tem
o hábito de se fingir de morto). Isto deixará algo não resolvido,
e o drama do filme se centra na tentativa de unir novamente estes
dois corpos, mesmo que para uma última despedida. As nuances da
vida em casal, que rende bons momentos principalmente pela insistência
da personagem interpretada por Alinne Moraes em manter suas picuinhas
e vingancinhas irracionais, ganha contornos fantásticos com a
emergência deste mundo dos mortos.
No
entanto, nesta transição entre a comédia romântica e a comédia
mórbida, a narrativa, já um tanto irregular, começa a se complicar.
Outros personagens ligados à vida de Edu entrarão em cena, como
o Fantasma do Coração de Pedra e o anjo da guarda de Laura, formando
subtramas esboçadas no início, seguindo a lógica do amor que sobrevive
ao tempo e à morte. Essas novas situações dramáticas surgem rápido
demais e não se entende muito bem qual a motivação das ações.
Existe um claro desequilíbrio rítmico, com cenas muito lentas
que poderiam ser encurtadas e vice-versa: a narração introdutória
do filme, por exemplo, é lentíssima, enquanto a sinfonia dos possuídos
(uma das cenas mais engraçadas, que lembra muito Os Fantasmas
se Divertem) poderia ter rendido um ótimo número musical,
mas é encurtada.
O que se sente na direção de João Falcão é que
ela parece ainda muito presa ao teatro, centrada na fala declamada
dos atores e numa decupagem que privilegia cenas longas, com planos
abertos onde o olhar acompanha os atores em cena. Não será uma
grua ou um plano com carrinho que vai tornar um filme mais ou
menos cinematográfico: a decupagem explora muito pouco as possibilidades
da linguagem do cinema, até mesmo na sua lógica clássica do plano
e contra-plano muito utilizada pela televisão e filmes mais comerciais.
Assim, Fica Comigo Esta Noite não deixa de ter os seus
bons momentos, principalmente com os atores e a criação de histórias
e personagens cativantes, e nisso é definitivamente um filme mais
bem sucedido de um diretor de teatro – que ainda tenta se entender
com o cinema.
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