Federal, de
Eryk de Castro (Brasil,
2010)
por Eduardo Valente
O
filme fora da tela
Há pelo menos duas maneiras bem fáceis de se aproximar
de Federal com fins a descartá-lo como projeto de cinema
policial brasileiro. Um deles, que fica latentemente claro já
na primeira sequência, e daí por diante só faz se confirmar, é
a sua enorme dificuldade em filmar o que quer que seja em termos
de ação, e ao fazê-lo conseguir emprestar a estas cenas qualquer
sentido de ritmo, de movimento, de espaço, de real perigo ou urgência.
Não é um problema pequeno num filme de gênero, mas parar por aí
e apontar apenas a precariedade da linguagem como filme de gênero,
embora nada inexato, seria um pouco simples demais.
A segunda maneira passaria por considerá-lo nada
mais do que um sub-Tropa de Elite. Essa questão também
é, realisticamente falando, bem difícil de se evitar: está lá
o plano final simplesmente igual ao do filme de José Padilha (com
sentidos absolutamente idênticos), e está lá, acima de tudo, o
desejo de “denunciar um estado das coisas” por trás do formato
de filme de gênero – algo deixado dolorosamente claro por diálogos
de um didatismo bastante grosseiro (“a ditadura já acabou, não
é?” e coisas assim, como policiais corruptos e traficantes discutindo
o estatuto de sua vilania). No entanto, é preciso dizer que esta
comparação também empresta ao filme ao menos dois pontos de curiosidade,
aos quais talvez ele não faça jus: um seria o simples fato de
deslocar a matriz a ser copiada, do cinema hollywoodiano para
um exemplar nacional; a outra, mais interessante, vem da opção
de Federal por evitar ao máximo a linguagem contemporânea
de ação que Tropa incorporava totalmente (câmera na mão
o tempo todo, cortes em movimento constantes, etc). Há que se
perceber que ao menos este desafio Eryk de Castro se impôs nesta
que é sua ambiciosa estréia em ficção: pensar as cenas a partir
da posição de câmera fixa, do corte idealizado previamente – e
se não se pode dizer que ele é bem sucedido nestes bons combates,
é verdade, mas há que se destacar o gesto em si.
A grande infelicidade de ver
Federal perdido entre essas suas missões mal sucedidas
(ser um filme de ação sem consegui-lo, denunciar um estado de
coisas por obviedades, se permitir demais estar à sombra de um
Tropa de Elite), é que existe ali um pequeno filme possível
bastante interessante, mas para este ele parece prestar bem pouca
atenção. Falamos aqui da presença dos dois “capangas” da polícia,
por assim dizer, essas figuras subalternas aos personagens de
Selton Mello e Carlos Alberto Riccelli, que parecem ter bastante
mais vida na tela, mesmo que o filme tente limitá-los a frases
banais de capangas ou a uma encenação tosca de “vida privada”.
Não é por acaso que o grande (talvez único) momento de drama no
filme se dá quando os dois personagens se confrontam: ali, sem
nenhuma palavra a mais, percebemos que está em jogo uma série
de pressupostos de atuação, um código de lealdades bastante particular,
e que parece todo ele mais interessante do que o tema “macro”
da corrupção e do tráfico de drogas no Brasil. É uma triste opção
para a crítica essa de dizer ao cineasta o filme que ele queria
ver na tela, mas se aqui precisamos cair nesse erro, o fazemos
simplesmente porque é do próprio filme que vem essa impressão:
a de que ele poderia ser mais feliz ali, ou ao menos ter uma alma
realmente toda sua.
Outubro de 2010
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