in loco - 15o fbcu
Programa 7: Variações
no tempo
por Eduardo Valente
Antes de falar dos filmes
dessa última sessão da mostra competitiva nacional do FBCU, é
muito importante fazer uma ressalva que, embora possa parecer
preciosista, é essencial como esclarecimento, pois influi diretamente
no andamento que esta cobertura busca ter. Pois o fato é
que, ao contrário de todas as outras 6 sessões já discutidas,
que foram vistas in loco na sua “sessão oficial” (com direito
a calorosos debates com os realizadores após os filmes), por motivos
além da minha vontade o programa 7 teve que ser visto em casa,
em DVD - ficando, assim, não só sem direito ao debate
como ao clima da recepção com a platéia ou o encadeamento como
ele se dá numa sessão de cinema (por mais que eu tenha mantido
a ordem ao ver os filmes). É bem verdade que isso nos permitiu,
no caso dos 4 filmes exibidos no formato, fugir da má projeção
de som com que 35mm sofreram neste ano, mas é claro que só quem
não é um freqüentador contumaz de sessões de festivais não
sabe que é necessariamente uma condição diferente das outras e
que, de alguma maneira, condiciona a percepção dos filmes. Mas,
em suma, foi o que se pôde fazer.
Mesmo que eu tivesse visto lá, é preciso reconhecer
que este programa 7 talvez tenha sido um dos mais heterogêneos
em termos de formatos narrativos/formais escolhidos pela curadoria
do FBCU, e seria difícil tentar agrupá-la ou entendê-la de acordo
com qualquer fio. É verdade que há sim um tema que parece bem
discretamente perpassar todos os trabalhos (a relação dos personagens
com o tempo, principalmente com o passado e com a noção de passagem
do tempo), mas atrelar o entendimento de todos os filmes a esta
chave talvez fosse aprisioná-los demais, porque apenas em um ou
outro deles isso parece a questão principal para
seus realizadores. Seria o caso, por exemplo, de Feijão Com
Arroz, de Daniela Marinho (UnB); e Um Lugar Comum,
de Jonas Brandão (UFSCar - foto), filmes que lidam com universos
infantis de maneira bastante inusitada. No caso do primeiro, fala-se
da redescoberta e ativação da memória pelo som – mas, infelizmente,
o filme parece muito algemado pelos sentidos que lhe emprestam
sua voz em off e também por uma encenação um pouco engessada
demais. Já o segundo utiliza-se de uma animação de traços bastante
singelos para criar uma pequena parábola sobre a passagem do tempo,
cuja grande sacada é mesmo a escolha de um espaço fixo e fechado
que representa (quase literalmente) todo o mundo. É um filme que
funciona perfeitamente dentro do registro do chamado filme infantil,
mas também consegue escapar dele a partir de um detalhamento bastante
forte de elementos, e uma capacidade de evocativa aguçada.
Também é de condensar o mundo em um espaço que
tratam outros três filmes da sessão, ainda que de maneiras bem
distintas. Dois deles são, de fato, filmes de confinamento: no
caso de O Capitão Chamava Carlos, de Dida Andrade e Andradina
Azevedo (FAAP), uma prisão na época da ditadura; em Circuito Interno,
de Julio Martí (FAAP), o regime de cárcere privado em que vivem
hoje vários imigrantes bolivianos em
SP. O segundo se filia ao registro hiper-realista
de uma certa ficção contemporânea, buscando tirar urgência de
sua “verdade” e usando elementos do seu tempo, como as imagens
de câmeras de segurança. No entanto, ao encenar a ficção de fato,
a verdade se mostra menos firme justamente por se querer o grande
balizador. É exatamente o
contrário do que acontece em O Capitão Chamava
Carlos (foto), talvez o grande filme de ficção do festival
junto com Cerimônia. Se os porões da ditadura são espaço
por demais explorado recentemente no cinema nacional, pode-se
dizer que nunca com tanta força, pela pregnância dos locais e
dos personagens filmados, algo atingido justamente pela capacidade
de teatralizar sua encenação com atores e luz que seus diretores
possuem (e que já tinham demonstrado em seu filme anterior). A
atuação dos dois protagonistas é verdadeiramente notável, e embora
haja pelo menos uma cena discutível no filme (a da tortura imposta
por outro dos torturadores que não o protagonista), é um trabalho
que no mínimo poderia servir de lição para os opostos que se anulam
de um Batismo de Sangue e de um O Que é Isso Companheiro
no quesito “como se aproximar de um torturador no cinema de ficção”
(de outro lado, o oposto brilhante de Carlos, que também
o reforça, também vem de um curta – Tira os Óculos e Recolhe
o Homem, de André Sampaio).
O outro curta que condensa o mundo num espaço é o fascinante Avós,
de Michael Wahrmann (FAAP, mais uma vez). Fascinante porque talvez
tenha a proposta mais original de todo o festival (através da
simulação do formato do filme caseiro e de um pequeno conto caseiro
reconstruir todo o peso da herança judaica pós-Holocausto), mas
não se pode dizer que consegue de todo resolvê-la. Tudo bem, o
peso da História ser tratado com tamanha informalidade e humor
é mais que ponto a favor do filme, mas há algo na encenação entre
o menino e os avós que parece por demais consciente de sua própria
graça (no duplo sentido do termo). É um destes filmes sobre os
quais, de fato, pensar e entender/escrever pode ser mais prazeroso
do que de fato assistir. De qualquer jeito, é proposta incomum,
e por isso mesmo sempre bem vinda.
Finalmente,
dois outros filmes compuseram a sessão tanto em consonância com
temas e formatos que andamos vendo nos outros dias (como o personagem
em crise de consciência, a opção pelo fragmento ou pela sensorialidade)
como lidando com o peso da memória e do passado. Entre eles, 3.33,
de Sabrina Greve (mais um filme da FAAP) parece o que se aproxima
de maneira mais já vista anteriormente da questão dos traumas,
da família disfuncional, da loucura, da infância doida. A questão
aqui é a sempre difícil opção por mimetizar via câmera e/ou montagem
um estado alterado da mente, algo que poucas vezes é feito no
cinema de uma maneira que, de fato, nos desestabilize. Já Mar
Exílio, de Eduardo Morotó (Estácio de Sá - foto acima) nos
surpreende mais, até pelas trocas de registro que cria. Ele começa
usando uma trilha musical e combinação de fotografia e jogos de
atores que parece incomodamente perto de um registro brega, mas
logo depois mostra uma consciência inesperada do mesmo, recolocando
essas imagens em outro contexto e ousando jogar com uma série
de ferramentas (projeções nos cenários, travellings e luzes hiper-estilizadas)
extremamente perigosas pelos clichês a elas associados. No entanto,
Morotó consegue nos desmontar a cada expectativa montada, e cria
um filme de fruição bastante delicada e inteligente. Que o mesmo
diretor tenha sido o vencedor do Projeto Sal Grosso (iniciativa
do Festival que permite a um aluno dirigir um próximo filme
trabalhando com estudantes de outras universidades do Brasil)
parece um fecho bastante auspiscioso para este evento que sempre
mira no futuro, pois já nos deixa na expectativa do que
vem a seguir.
Agosto de 2010
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