Família Alcântara,
de Daniel e Lilian Santiago
(Brasil, 2005)
por Lucas Keese
Cinema
brasileiro para quem?
Família Alcântara
resgata uma história que remonta à chegada dos negros trazidos
da África como escravos no século XVI. Através de uma estrutura
de entrevistas, somos informados quanto à trajetória dessa família:
como conseguiram manter sua cultura, único bem que conseguiram
trazer de sua região de origem, a atual Angola, o estabelecimento
no Brasil em uma vila próxima a Belo Horizonte e as atividades
por eles hoje mantidas, tais como festas, cerimônias religiosas
e o destacado coral da família. Lançado nos cinemas (junto com
o curta Carolina de Jeferson De) no dia 17 de novembro,
três antes do dia da Consciência Negra, o documentário de 54 minutos
Família Alcântara compunha uma sessão que se relacionava
com o propósito da data.
Ainda que atividades ligadas à cultura afro-brasileira
de maneira alguma devam limitar-se a essa data no calendário,
poderia ser uma boa oportunidade aproveitá-la num lançamento comercial
de cinema. Entretanto, a veiculação em salas desse documentário
dos irmãos Daniel e Lilian Solá Santiago acabou sendo um grande
contra-senso, como tem acontecido a vários outros documentários
lançados em cinema: uma ratificação do processo de como não atingir
seu possível público. Embora possamos encontrar ali algumas belas
cenas e histórias, e momentos mais poéticos, como a relação com
o mar, buscada no significado de uma palavra de um antigo dialeto,
eles logo perdem espaço para uma levada mais burocrática do documentário.
Essa estrutura informativa fica pesada demais no filme, que se
limita a intercalar as entrevistas com imagens de apresentações
do coral, festas, encontros e visitas a antigos vilarejos, todas
conduzidas com a permanência do off das entrevistas.
Talvez
não seja o caso de criticar o filme, e sim a realização com vistas
à exibição em cinema. A própria forma mais burocrática parece
surgir de uma expectativa em torno do fazer para cinema, como
se estivesse ali uma busca por uma aceitação dentro dos critérios
mais oficialescos de “bem cultural”. É indispensável à afirmação
da cultura negra o encontro com o grande público que a mantém
viva. Assim, o pior prejuízo é a privação do público do contato
com tal obra, pois somente a partir desse encontro é que faria
sentido pensarmos na eficácia das formas documentais utilizadas.
Por que, por exemplo, não tentar logo uma distribuição pela TV?
Afinal, o tempo do filme encaixaria perfeitamente em uma grade
televisiva de 1 hora (55min, como todos do programa DOCTV), e
aí vemos que se essa mesma questão valeria para muitos outros
documentários lançados em cinema, mais ainda para este. Tantas
histórias e tantas pessoas privadas delas, de conhecer seu conteúdo
e de pressionar por melhores formas de torna-lo acessível.
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