Eu Me Lembro, de
Edgard Navarro
(Brasil, 2005)
por Lila Foster
Adorável
decepção
Eu Me Lembro é
um filme cheio de problemas, mas que mesmo assim desperta no espectador
um gostar carinhoso. Incursão nas memórias de Edgard Navarro e
na história do país, o filme é costurado por uma trilha sonora
muito bem selecionada (com direito a canção original de Caetano
Veloso), e conta a história de Guiga, da sua infância na ainda
provinciana Salvador, passando pela descoberta do sexo na adolescência
até a rebeldia da juventude – entre os anos 50 e 70. Assisti-lo
é o tipo de experiência que nos coloca dentro do furacão, desperta
tantas questões que o filme quase parece ficar perdido no meio
de tanta coisa.
A primeira delas, claro, é o fato de que Edgard
Navarro demorou tantos anos para fazer seu primeiro longa-metragem.
Sintomaticamente, a revista Cine Imperfeito lançava uma edição
sobre cineastas desaparecidos, incluindo o Edgard Navarro, na
mesma época que o diretor ganhava diversos prêmios no Festival
de Brasília. Se é claro que não se pode gostar de um filme só
porque ele teve um processo demorado e sofrido de realização,
isso vem à mente de forma inevitável quando estamos assistindo
ao filme e pensamos em Superoutro, experiência radical
dirigida por Navarro no fim dos anos 80 – filme que dá vontade
de fazer cinema, escatológico e engraçado, certamente inspirador.
Por que tanto tempo entre aquele e este filme? Em relação ao radicalismo
de Superoutro, Eu Me Lembro trabalha em chave muito
distinta. Está ali o roteiro bem concatenado, os lampejos de loucura
que não extrapolam limites, explicações sobre a matriz psicanalítica
do filme a disposição no site do filme. Seria ridículo exigir
que um cineasta atendesse às nossas expectativas, mas não deixa
de ser triste perceber como a estética agressiva e radical de
alguns cineastas se apaziguou: sinal dos tempos, ou de que um
filme é sempre muito mais do que um filme.
Neste
sentido, Eu Me Lembro é bem simples mesmo. Evoca claramente
uma matriz felliniana na sua incursão ao passado, mas não
chega a existir ali nada da indistinção surrealista entre fantasia
e realidade, a força e beleza dos momentos de magia. O filme tem
grandes momentos, é verdade: os atores estão especialmente bem
e muitas situações são inspiradas. Apesar do período da infância
ser extenso demais, o retrato da família é bonito, cada um seguindo
o seu caminho e a criança observando e absorvendo tudo aquilo.
É a matriz do que virá a seguir na vida de Guiga e não é a toa
que o filme termina com um devaneio seu, louco de cogumelo, onde
surgem todos os personagens de sua infância.
Mas, tem grua, muita grua e a presença ostensiva
do equipamento faz pensar que existe muita intenção para pouco
cinema, ou que definitivamente falta ao filme uma linguagem que
dê conta de tanta intenção. O que não tira a força da experiência
que é ver o filme, mas certamente deixa uma pontinha de decepção.
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