ensaio - especial cinema americano hoje De
volta para o futuro? por Ronaldo Passarinho
“Every
now and then The country Goes a little wrong.” The
Ballad of Booth, Stephen Sondheim Apesar
do sucesso de bilheteria de um A Noviça Rebelde, de Robert Wise, em 1965,
nunca os estúdios hollywoodianos perderam tanto dinheiro quanto nos
anos sessenta. Menos espectadores, ingressos mais caros. Nem aumentando drasticamente
o preço dos ingressos os estúdios sairiam do prejuízo na década de 70. Precisavam
de um novo modelo econômico – o mesmo modelo que hoje faz com que, entre os dez
campeões de bilheteria mundiais, desconsiderando a inflação, sete tenham sido
produzidos nos anos 2000 (dois da trilogia O Senhor dos Anéis, dois da
franquia Harry Potter, dois da de Piratas do Caribe e um da de Shrek).
A
breve era de incerteza entre o fim da década de 60 e meados da de 70, até Tubarão
desencalhar os estúdios e inaugurar a era dos blockbusters, viu surgir
alguns dos filmes mais esquisitos do cinema hollywoodiano. O futuro financeiro
de Hollywood era incerto, mas o artístico era promissor. Um elo havia sido forjado
entre as convenções dos filmes de gênero e as inovações estilísticas da vanguarda
européia. A Nova Hollywood parecia unir o melhor de dois mundos em filmes formalmente
refinados e moralmente ambíguos como Resgate de uma Vida (71), de Robert
Aldrich, Os Implacáveis (72), de Sam Peckinpah, Caminhos Perigosos
(73 - foto), de Martin Scorsese, A Conversação (74), de Francis Ford Coppola,
e Um Lance no Escuro (75), de Arthur Penn. A ambigüidade
não surgiu por mágica no cinema hollywoodiano durante as primeiras fases da Nova
Hollywood, antes da era blockbuster. Os cineastas mais proeminentes do período
não foram buscar inspiração apenas no chamado “cinema de arte” europeu. Para ficar
apenas na década de 50, e no gênero hollywoodiano por excelência, o faroeste,
filmes como Rastros de Ódio, de John Ford, Dragões da Violência,
de Samuel Fuller, E o Sangue Semeou a Terra, de Anthony Mann, e Sete
Homens sem Destino, de Budd Boetticher, tinham ambigüidade para dar e vender.
Mas nunca antes em Hollywood a ambigüidade fora usada tão sistematicamente como
chamariz. Ao contrário do modelo roadshow nos anos
60, o modelo blockbuster não aparenta estar em crise. Em 2007, quatro filmes
ultrapassaram a casa dos 300 milhões de dólares nas bilheterias dos Estados Unidos:
Homem-Aranha 3, Shrek 3, Piratas do Caribe 3 e Transformers. Mas é bom
lembrar que em 1963 a superprodução Cleópatra
foi sucesso de público e, mesmo assim, deu prejuízo. É possível prever um futuro
em que os blockbusters se tornem caros demais para gerar lucro nas bilheterias.
A internet é uma concorrente ainda mais assustadora que a televisão. E a disseminação
dos home theaters também promete afastar os espectadores das salas. Sem
falar na pirataria. Em 1975, ano em que Tubarão
foi lançado, uma indústria que ainda não sabia ter sido salva indicou para melhor
filme os esquisitíssimos Chinatown, de Roman Polanski, Lenny, de
Bob Fosse, e A Conversação, de Coppola. Pois o Oscar deste ano pareceu
refletir o clima de ansiedade em relação ao futuro do modelo econômico vigente,
por mais robusto que ainda pareça ser. Ao ser premiado pelo SAG, sindicato dos
atores de Hollywood, como melhor ator coadjuvante por Onde os Fracos Não Têm
Vez, Javier Bardem disse que os irmãos Coen são “freaky little people” que
fizeram um “freaky little movie”. Onde
os Fracos Não Têm Vez e Sangue Negro são baseados em romances. Os Coen
foram bastante fiéis ao de Cormac McCarthy. Não Li Oil!, de Upton Sinclair,
mas Anderson diz que sua adaptação foi bastante livre. De qualquer modo, nenhum
dos dois teve sua trama adaptada segundo estruturas dramáticas de manuais de roteiro.
Suas narrativas são sinuosas, por vezes tortuosas. Ainda que não tenham finais
abertos, têm finais ambíguos. Como em um bom filme da Nova Hollywood pré-blockbuster.
O cineasta japonês Kiyoshi Kurosawa diz que os filmes do começo dos anos 70 eram
fascinantes por apresentarem “sofisticação técnica e confusão temática”. Pois
melhor definição não há para Onde os Fracos Não Têm Vez e Sangue Negro.
Outros filmes, como Zodíaco, Miami Vice e Os Donos da Noite,
são sintomas de que Hollywood parece estar perdendo o rumo – e isso não é nada
mau. Março de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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