in loco - cobertura dos festivais
Entre Vales, de Phillipe Barcinski (Brasil, 2012)
por Thiago Brito

Deprê

Para aqueles que acompanharam minimamente a trajetória do diretor, o novo filme de Philippe Barcinski pode parecer não tão novo assim. Para o bem ou para o mal, permanece aqui o mesmo gosto de estrutura e esquematismo de roteiro e de montagem que marcam os filmes do cineasta, tendo como exemplo maior seu curta-metragem Palíndromo, onde uma história que pode ser contada de trás para frente, sem alterar seu significado, é colocada em jogo. Aqui, o cineasta nos presenteia um embaralhamento calcado na lógica do quebra-cabeças, no qual, embora de início você tenha partes ou fragmentos espalhados pela tela, com o tempo todas elas se encaixam e você tem um quadro praticamente uno ao final, com um significado bastante explícito e claro.

A história do protagonista, Vicente, é das mais tristes e depressivas possível. Passado para trás, o arquiteto termina expulso da empresa que co-criou, não recebendo nem mesmo os dividendos pelos anos de esforço e participação. Com isso, temos uma temática que se orquestra a partir de uma São Paulo contemporânea onde as transações são imediatas, as transformações e empresas nascem e morrem da noite para o dia, e volta e meia alguém se vê castrado do novo e sempre glorificado progresso. Traído pelo filho do criador da empresa, que decide voltar a seu país de origem - e, aqui, percebemos também um diálogo maior com a presença do capital estrangeiro na capital paulista, animando ainda o vislumbre de sua transitoriedade em solo nacional, onde, após o boom inicial, realiza-se um êxodo para seu país de origem - Vicente sofrerá ainda a dupla traição de sua mulher e do Destino, que lhe surripia aquilo que se apresenta no filme como o mais querido: seu filho.

Após a perda de tudo, a vida de Vicente vai pelo ralo. Perdendo amor próprio ou perspectiva, ele inicia um longo caminho nômade de sobrevivência, trabalhando em bicos em um aterro de lixos. Aqui, a metáfora também se torna forte, igualando aquele que se sente um lixo, um ser descartável e descartado, com aquele que, agora, trabalha e vive do lixo, daquilo que é descartável. A amarra da história se torna ainda mais explícita quando uma linha psicológica é traçada para demonstrar a razão que o levou a assumir esse novo modo de sobrevivência: sua mulher, num ato de desespero, arrebenta a maquete do novo aterro de lixo que Vicente e seu filho haviam criado, jogando-o no lixo. O arquiteto do aterro agora viverá no aterro, tendo como impulso a busca desenfreada pela lembrança de seu filho, metaforizada na maquete que criaram juntos - a perda do sonho possível.

A desilusão é grande, as metáforas abundam como fantasmas. Com seu esforço esquemático que faz tudo se autorreferenciar, agrupando as imagens como que uma sobre a outra eternamente, Entre Vales se realiza enormemente como pesadelo triste e sombrio. É assim que sua imagem final, a suposta "volta por cima", nos recai com tão pouca potência, com tudo menos vitalidade e realização pessoal. Ao contrário de um cineasta como Karim Aïnouz, cujo trabalho em torno da identidade e do renascer, embora sempre pautado e acompanhado por elementos como o perigo, o sacrifício, a dor, se transfigura de forma cabal no corpo e na energia de seus atores - até mesmo no sorriso delicado e acanhado de Suely, uma imagem para sempre maravilhosa - o renascimento de Vicente é sofrido, broxa e terrivelmente abstrato: não passa de uma metáfora do lavar-se no banho, do sentir-se novo, terrível em sua dureza, em sua descrença no horizonte, na abertura para algo maravilhoso e belo. Ao contrário, o filme de Barcinski, hermeticamente e matematicamente calculado e fechado, nos faz pensar que toda epifania e reencontro não são suficientes, não possuem a força necessária, para sobreviver ao trator frio e indiferente da vida, quiçá do Destino.

Outubro de 2012

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