Questões de tempo
por Fábio Andrade
Há muito temos prometido aqui, em outros
editoriais, textos que refletissem a disposição
da revista em não só responder ao circuito de salas
de atualidades e de repertório no Brasil, e que também
se voltassem para a História - seu passado e seu presente
- de forma mais eloquente e propositiva. Por mais que tenhamos
publicados textos avulsos que dessem conta desse impulso (até
com alguma frequência no caso dos textos para a Sessão
Cinética), há muito vínhamos planejando pautas
mais organizadas e abrangentes, articulando um número maior
de artigos e redatores. Uma das pautas que seguia cozinhando em
fogo baixo ao longo do último um ano e meio, aproximadamente,
era justamente esta que chega hoje à
capa da revista, dedicada ao cinema de Jonas Mekas. O longo
tempo transcorrido entre as primeiras linhas escritas e sua enfim
publicação caem como uma luva: Jonas Mekas é
um dos grandes artífices da passagem do tempo na história
do cinema, frequentemente trabalhando com as mudanças transcorridas
nos anos que separam a filmagem da montagem em diversos de seus
filmes.
Mas por que Mekas? Em uma primeira camada, por detectarmos ecos
de seu cinema em muito do que é feito hoje no Brasil -
com sua recente tradição de documentários
em primeira pessoa, por exemplo, ou mesmo na polifonia assumida
por um filme como Pacific, de Marcelo Pedroso - e no
mundo - indo dos cine-diários de Alain Cavalier a filmes
atualíssimos como A Árvore da Vida e Super
8. Em segundo, por Jonas Mekas trazer consigo uma polivalência
impura que percebe o cinema como um vasto - e único -;
campo de batalha, atacando e defendendo nas mais variadas frentes
como diretor, crítico, conservador, pensador, difusor e
articulador do cinema que ele acreditava, e acredita, ser relevante
- faceta que pode ser conhecida com maiores detalhes e pluralidade
nos artigos Anotações sobre Jonas Mekas e os
novos cinemas americanos e Jonas Mekas e o Anthology
Film Archives.
Embora a Cinética nunca tenha clamado para si a representação
de classe ou geração alguma no cinema brasileiro,
nossa folha de colaboradores inclui diretores, roteiristas, curadores,
professores, conservadores, produtores e profissionais de diversas
outras áreas do cinema, reunidos aqui pelo apreço
pela escrita, o pensamento e a conversa sobre filmes. Por mais
que essa impureza gere eventuais distorções e conflitos,
figuras como a de Jonas Mekas ficam como exemplos de serenidade
para lidar com esses efeitos colaterais sem luvas, sabendo que
não se chega a lugar algum sem sujar as mãos, sentados
no conforto e segurança de velhas e altas poltronas críticas.
Como lembrança da necessidade constante de seguir em caminhada
quando a lama já chega aos joelhos, reproduzimos aqui,
em traduções inéditas para o português,
algumas das críticas assinadas por Jonas Mekas e originalmente
publicadas no Village Voice. Mais do que apontar nortes a serem
seguidos a respeito deste ou daquele filme, os textos de Mekas
permanecem por sua abordagem apaixonada, convicta e sem qualquer
ambição (ou vergonha) de perfeição
ou completude ao enfrentar os filmes.
Mas há ainda uma terceira camada na relação
com Jonas Mekas, essa sim mais profunda e decisiva. É que,
embora seus filmes tenham tido raras exibições no
Brasil e sigam em grande parte inéditos mesmo no circuito
de DVDs mundial, eles chegaram de maneiras diferentes, mas sempre
impactantes, a diversas pessoas da Cinética. E é
sobre alguns desses filmes, e algumas particularidades desse cinema,
que tratamos em outros três artigos - Um homem e um
século; No silêncio da noite e Polifonia(s)
do(s) cinema(s) - e em uma entrevista presencial e exclusiva
do diretor.
* * *
Não deixa de ser revelador que essa pauta venha ao
ar em momento em que a Sessão Vitrine lança no Brasil
alguns dos filmes mais interessantes da produção brasileira
recente. Pois, por mais que o fato de já existirem textos
na revista sobre esses filmes escritos em outras ocasiões
libere tempo e energia para a confecção de pautas
mais abrangentes e atemporais, o lançamento no cinema acaba
servindo como um convite à revisão e à possibilidade
de se escrever palavras já decantadas pelo tempo, que ainda
estavam em início de formação quando fomos
ao encontro desses filmes pela primeira vez. Assim como aconteceu
com Estrada para Ythaca, o segundo longa dos irmãos
Pretti e dos primos Parente, Os Monstros, recebe uma nova
visita da revista. Não há dúvidas que outros
títulos dessa leva, como Pacific e a A Fuga
da Mulher-Gorila, nos instigam à revisão, embora
as contingências não permitam que demos conta de todos
os nossos desejos. Mas segue viva a vontade de se reencontrar com
esses filmes mais à frente, num outro momento que permita
ver o que o tempo passado tem a lhes transformar.
Leia
também nossos editoriais anteriores.
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