Adeus à "nova crítica"
por Cléber Eduardo, Eduardo Valente e Leonardo Mecchi

O Prêmio Jairo Ferreira acabou. Surgido em edição especial no final de 2006 sob a alcunha de “prêmio da crítica independente”, e depois realizado em 2007 e 2008 como premiação anual com a organização da Cinética, Cinequanon, Contracampo, Paisà, e Teorema, o Prêmio marcou, seja dentro ou fora dessas revistas, uma idéia da existência de uma “nova crítica” (ou “jovem crítica”): um grupo condensado pela mistura de circunstância de produção, “visão livre”, faixa etária (guardadas distâncias eventuais) e uma suposta novidade de abordagem do cinema. O Jairo Ferreira talvez tenha se beneficiado dessas classificações, assim como foram beneficiados muitos novos críticos (independentemente de serem críticos novos), que, em alguma medida, passaram a ser vistos (e a se ver) como críticos independentes (ou jovens críticos ou críticos novos), como se integrassem um aparente conjunto homogêneo, onde todos fariam a mesma “guerra santa” pelo cinema.

O Jairo Ferreira teve em seus dois anos, assim como essas classificações em torno da independência e de novidade crítica, outras substâncias estimulantes e inspiradoras, certamente mais importantes e não contempladas por essas etiquetas: afinidades pessoais e o desejo de uma ação em grupo das cinco revistas. Pois, no começo deste ano, por razões internas de cada uma das redações, mas principalmente por um notado desinteresse crescente das mesmas por ações em grupo, o Prêmio deixa de existir em um momento em que esse agrupamento deixou de fazer sentido como grupo – talvez porque deixou de ser novidade e não pode ser condensado apenas pela tal “independência”, talvez pela idade de alguns de seus críticos ou pelo maior número de anos na atividade. 

Portanto, a nova crítica, a jovem crítica e a crítica independente estão mortas. No entanto, quem está vivo, e pode ou não permanecer assim, é o crítico, individualmente, e sua crítica. Porque cada revista é uma revista, cada crítico (de cada revista) é um crítico – mesmo havendo, entre alguns, maiores proximidades, e, entre outros, afinações em pontos específicos, mas não necessariamente fundamentais. E não somente em relação a como se vê o cinema, mas, também ou principalmente, a como se reage aos filmes, como se age na crítica. O fim do prêmio Jairo Ferreira e a demanda por diferenciação nas redações, por coincidência ou reflexo, são simultâneos a um processo de crise e auto-reflexão nas revistas. Enquanto a Paisà anda parada, Cinequanon e Contracampo passaram por recentes reciclagens e/ou mudanças, em que ainda não tiveram tempo para mostrar a consistência desses novos rumos.

Já a Cinética aproxima-se de seu terceiro aniversário com uma firme discussão interna sobre os modos de ver o cinema, escrever sobre ele e de organizar as visões sobre o universo do audiovisual em uma revista. Talvez essa atitude de olhar para dentro em vez de olhar primeiro para as telas seja uma circunstância indispensável e ontológica da atividade crítica. Talvez também seja porque a crítica anda sem consumir todas as suas energias, sua paixão, sua inteligência, sua sensibilidade e seu tempo com os filmes e com o cinema. Talvez fosse mais saudável expor as diferenças de posições nas aproximações com as imagens e sons – mais honesto, certamente. Porque expor nossas armas é diferente de utilizá-las quando necessárias.

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Não deixa de ser curioso que este momento já um tanto conturbado aconteça simultaneamente à realização da mais recente Mostra de Tiradentes, onde nossos três atuais editores atuam diretamente em diferentes frentes, como curadores ou trabalhando junto à assessoria de imprensa. Curioso em especial porque além disso a mostra marca a estréia mundial dos primeiros longas de dois dos fundadores da Cinética (Eduardo Valente e Felipe Bragança). Nos escapa no calor do momento o verdadeiro ou amplo significado desta coincidência de acontecimentos, no entanto o que não se pode ignorar é que a potência desta superposição de importantes eventos para todos nós certamente tem tudo a ver com a amplitude de ações e reflexões desejadas por nós, lá no começo, ao criar esta revista. Que venham, portanto, os próximos passos.

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