Filmes à procura de críticos, críticos à procura de filmes
por Cléber Eduardo e Eduardo Valente

O que move um crítico? Que agenda há por trás de seu programa crítico? Que mediação é esta que se dá entre as imagens construídas por um diretor, e os sentidos construídos nos olhos daquele que as analisa depois? Qual papel desempenha o seu gosto pessoal, o seu desejo de defender ou atacar este ou aquele tipo de cinema, este ou aquele filme, este ou aquele diretor?

Estas questões começaram a pipocar entre nós a partir de uma curiosa (e inesperada) discussão interna na redação sobre dois filmes brasileiros que não poderiam ser mais distintos em forma e intenções (Baixio das Bestas e Ó Pai, Ó) – a partir dos quais se travou talvez o primeiro distintivo debate desde a criação da Cinética opondo os dois editores que assinam este texto. Debate este que, mais do que saudável, estava mesmo no cerne de nossos interesses ao criar a revista – e que bom, portanto, que ele viesse à tona na comemoração de um ano dela. A partir daí, uma série de textos em outros veículos ampliaram esta busca por encontrar o limite de um “programa de cinema a ser feito” no discurso crítico (e da exposição ou não deste programa – a nosso ver tão mais válido quanto mais honesta e clara sua exposição for), o que motiva a Conexão Crítica que entra no ar agora, e se propõe como o começo de uma série.

Seja como jurado-debatedor num festival (caso de Eduardo Valente no Festival Brasileiro de Cinema Universitário), seja como curador-debatedor (caso de Cléber Eduardo no Cineop), o problema nos voltou insistentemente ao longo do mês. Como demarcar a diferença entre tentar impor um olhar-sensibilidade previamente construídos a uma obra alheia, como tábua de validação mesmo desta; ou tentar “chamar para dançar” aquela obra, de igual para igual e olho no olho, por mais distinta que seja dos conceitos do cinema “a ser feito” que tenham o crítico-curador-jurado. Como fazer para ir aonde as imagens e sons dos filmes nos levam, tentando encontrar ali evidências que tornem o discurso estético de cada artista mais ou menos relevante para a discussão de seu cinema.

Por isso, o momento é propício para que renovemos aqui o compromisso de pensar a imagem na contemporaneidade, sem preocupação apenas com o recorte canônico do que entra para uma galeria e do que vai para o “lixo da história” – algo que esperamos ser encontrado com ainda mais força nas aulas que daremos neste primeiro curso da revista, mas que já está com força no texto assinado aqui por Eduardo Valente. Ali ele parte dos seus critérios pessoais para encontrar as imagens de dois filmes que, embora particularmente não do “seu gosto”, parecem importantes para pensar questões sobre a construção do cinema hoje.

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No circuito comercial dos cinemas brasileiros, o primeiro semestre de 2007 foi incrivelmente letárgico: dividido entre uma safra particularmente pouco interessante de blockbusters americanos; um circuito “de arte” especialmente anêmico, encaixotado entre a frágil safra do Oscar (exceções à parte, sempre) e uma cartela de “filmes comerciais que não ousam dizer seu nome” (processo do qual o sucesso carioca de Um Lugar na Platéia foi a coroa de louros); e finalmente um cinema brasileiro de poucos altos e muitos baixos, sendo quase todos eles recebidos indiscriminadamente com um mesmo enorme silêncio de público – ainda maior que o de 2006, e que sinaliza uma crise de proporções consideráveis que pede reflexão bem mais aprofundada que o pânico simplista em geralmente espalhado (reflexão essa que esperamos ajudar a incentivar com a prometida série de entrevistas sobre e com o mercado – e já começada na prática, embora ainda não na revista por problemas técnicos a serem sanados muito em breve).

Eis que, em julho, de repente o ano parece começar com tudo. Primeiro, e de forma exclamativa, com o encantador novo filme de um veterano – Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain Resnais, nosso destaque absoluto deste mês. Em seguida, vêm as promessas de um Still Life (a ser visto finalmente em película), de Jia Zhang-ke (que entrevistamos mês passado); do impactante (e grandioso na simplicidade de seu dispositivo) Bug, de William Friedkin; de Anjos Exterminadores, de Jean-Claude Brisseau. Para além das preferências subjetivas por um ou outro, são todos atos de cinema, mais do que apenas filmes: todos se afirmam na sua linguagem como obras que não poderiam existir em qualquer outra forma de expressão artística que não a das imagens (e sons) em movimento. Por isso mesmo, são estes os filmes que nos movem e nos fazem, ao fim e ao cabo, ir ao cinema – algo que, sinceramente, estava difícil se motivar para fazer nos últimos três ou quatro meses do circuito.

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