in loco - cobertura dos festivais

Eu Não Quero Dormir Sozinho (Hei yan quan)
de Tsai Ming-liang (Taiwan/França/Áustria, 2006)
por Cléber Eduardo

Prisioneiro do talento

Não são poucos os discípulos da política do autor que, diante de questionamentos em relação à obra de seus diretores preferidos, defendem antes de mais nada os universos desses autores. Não são poucos os críticos (inclusive aqueles com quem mantenho relação pessoal) que, diante do momento vivido pelo cinema de Tsai Ming Liang, defendem antes de mais nada o universo e o método de Tsai Ming Liang. Embora haja quem veja esse momento do cineasta malasiano como uma depuração de suas estratégias, tenho a desconfiança de que, em vez de depurar, Tsai Ming Liang sentou no trono e acomodou-se à uma fórmula, procurando menos novos desafios e mais manter um grife autoral vencedora.

Eu Não Quero Dormir Sozinho é o  filme, em meu entender, menos interessante desse universo e grife. O anterior, O Sabor da Melancia, já apontava, em vários sentidos, para o cansaço desse “mundo Tsai”. Tendo a acreditar que, neste exato momento, o autor morde o próprio rabo, fazendo um cinema que, apesar de rigoroso em sua plasticidade, na extensão da duração dos planos e na resolução do espaço (com poucos ângulos para filmar os ambientes), não oferta mais surpresas. Um cinema previsível para quem tem intimidade com sua obra até aqui. Grandes momentos estão lá, certamente, mas apenas cumprem a expectativa. Tsai anda entregando o que se espera dele de antemão – e por conhecermos seu percurso. 

Desde o início de sua filmografia, Tsai filma a solidão de seus personagens, formatando-os como seres incapacitados para a interação social, para a troca de afetos e para os contatos físicos, quase sempre silenciosos, com um comportamento de zumbis minimalistas. Esses personagens têm sempre alguém com quem se encontram, mesmo sendo um encontro pela metade, não realizado integralmente, adiado para depois do plano final (quando isso é viabilizado), em geral dotado de carga metafórica não sem alto grau de inusitado. Seria o cineasta capaz de romper com esse formato e arriscar-se por outros terrenos? Ou seria o cinema de Tsai um cinema militante de Tsai, que cumpre na tela alguns dogmas pessoais, tanto em relação aos personagens como no tocante à mise-en-scène, indiscutivelmente talentoso nessa repetição acomodada, mas, em meu entender, ciente demais dos efeitos gerados por suas estratégias?

Acredito que a segunda opção está mais perto da realidade. E isso me leva, como admirador superlativo do autor até pelo menos Adeus Dragon Inn, a me desinteressar progressivamente de suas criações – ao menos temporiaramente, ao menos até eu sentir novos caminhos apontados por seu olhar. Enquanto essa porta não se abre, arrisco-me a dizer que seu talento, nessa fase pós-2000 é empregado apenas para demonstrar talento. 

 


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