in loco - cobertura dos festivais
Dores de Amores, de Raphael Vieira (Brasil, 2012)
por Filipe Furtado

Comédia da miséria alheia

Logo de começo, Dores de Amores revela uma predileção pelos planos fechados, com closes nos seus atores e objetos. É uma predileção que tem pouco a ver com a possível intimidade inerente ao tema (os altos e, principalmente, baixos de uma relação amorosa) e mais com um gosto pelo excesso. Pois tudo em Dores de Amores precisa subir um tom (até o aparente minimalismo do filme a dois existe numa chave excessiva), nenhum momento pode resistir a ser sublinhado. Logo, que as imagens frequentemente fechadas fazem sentido (especialmente no primeiro ato, o filme relaxa um pouco depois).

Não há sutileza possível: quando um copo se quebra, taca-se um close de um pedaço grande de caco de vidro que ficou para trás. Minutos mais tarde, mais outro, para alertar o espectador que eventualmente alguém terá que pisar nele para desencadear mais uma crise. Pois Dores de Amores está constantemente em crise. São séries de cenas, apresentadas de forma atemporal, do mesmo casal (Milhem Cortaz e Fabiula Nascimento) a rodear os mesmos problemas conjugais (o principal é ele já não parecer dar conta das suas responsabilidades conjugais com o mesmo empenho de outros tempos). Sequência após sequência desandam no mesmo drama: ele se esquiva, sempre na defensiva, com o discurso de que está satisfeito; ela arranja formas de questiona-lo e tentar inverter as relações de poder do casal. O tom pode ser mais dramático ou mais cômico, não importa; o diretor Raphael Vieira invariavelmente as investe da mesma monotonia.

Não há nenhum desenvolvimento possível para a situação, somente variações e um desenlace final. No máximo, o filme encontrará no meio do caminho um fiapo de trama simbólica da disputa de poder do casal, quando ela resolve comprar um consolo, para tentar algo de diferente na cama, e ele protesta contra a idéia de se submeter. Diz muito sobre a fraqueza de Dores de Amores que nós supostamente deveríamos simpatizar com o desejo dela de virar a lógica da relação, mas que sua mão pesada e completa falta de habilidade torne-a apenas um clichê de mulher castradora diante de um homem acuado – muito menos pelas situações em si, mais pela fragilidade da encenação que reduz acidentalmente a situação à sua leitura mais pobre.

Qualquer graça que exista aqui parte da performance de Cortaz, que sabe trabalhar muito bem na chave da comédia de embaraço, e ocasionalmente consegue escapar da monótona mão pesada do filme. São momentos de exceção, pois se Vieira deseja pontuar seu filme com humor, seu interesse principal segue focado na miséria daquele relacionamento. Dores de Amores quer vender a ideia de que o casal ao final está mais forte, mas o filme encontra prazer demais no seu sofrimento para que isto registre como tal. Vieira acredita buscar algo verdadeiro naquela relação, mas seu filme todo parece tão falso quanto sua teatral encenação, negando a Cortaz e Nascimento qualquer ponto alto, respiro ou intensidade maior. A relação que acompanhamos jamais pode existir como tal. O único estado que o filme é capaz de reconhecer é a discussão de relacionamento no que ela tem de picuinha e mesquinharia mais desinteressantes. Registra-se somente a miséria, sem nenhum contra plano possível. A experiência de Dores de Amores é tão desagradável quanto assistir a briga de um casal de amigos, com a diferença de que ela nega ao espectador até mesmo a mínima empatia necessária para ir além do completo enfado.

Outubro de 2012

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