O
Dono do Mar, de Odorico Mendes (Brasil, 2006) por
Cléber Eduardo
O dono do mico Talvez
o romance de José Sarney seja um problema de saída – embora maus livros possam
render bons filmes, como sempre achava Hitchcock. Se o livro de Sarney pode não
ajudar, os problemas cinematográficos impõem perguntas: o diretor Odorico Mendes,
diante do material literário em mãos, pode não ter visto o melhor modo de filmá-lo?
Mas por que filmá-lo? Essas duas perguntas - Por que esse filme? Como realizá-lo?
– emanam de cada imagem. E
a resposta surge, sem nenhuma vergonha, em um plano atrás do outro: é óbvia a
disposição de se propagandear, em planos gerais e tomadas com gruas, as belezas
do litoral maranhense (incluindo as mulheres desnudas – em especial Isadora Ribeiro,
que não pára de levantar o vestido, exibindo sua piriquita). Também é explícito
o empenho de, mais que adaptar, "marquetear” o romance de Sarney. Isso explica
o investimento quase único no inusitado de situações "fantásticas" (barcos
voadores, navios com tripulantes fantasmas, gente a aparecer e desaparecer, perigosas
criaturas do mar). Esses momentos, claramente em diálogo desafinado com a tradição
do realismo fantástico latino-americano (colombiano em especial), são viabilizados,
se assim podemos dizer, por uma overdose indigesta de efeitos computadorizados.
Temos assim um exemplar de filme low-brega-tech. Não
são os acontecimentos extraídos do romance que dinamitam qualquer possibilidade
estética, mas, sim, as escolhas visuais do realizador e sua utilização dos recursos
técnicos. Tanto no emprego da câmera lenta como do som refeito em estúdio, de
gritante artificialidade, vê-se e ouve-se uma busca fake pelo absurdo fabular,
mas despido de poesia e atmosfera, lambuzado por uma visão de catálogo de esquisitices
e exotismos. A freqüência de tais situações é tamanha que, quando algo de estranho
surge na tela, produz mais banalidade que alguma potência lírica. Não se trabalha
na magia do mistério, mas na evidência do mágico. Até a sexualidade, quando exposta
, é inorgânica – apenas física, no sentido de exposição de corpos. Esse exibicionismo
corporal é proporcionado pela permanente busca do protagonista, pescador, por
jovens mulheres de formas exuberantes nas praias maranhenses, em um não-tempo,
tendo como gancho narrativo frágil como cristal um flashback a partir do
assassinato de seu filho. O
Dono do Mar parece carregar a consciência de filmes das últimas duas ou três
décadas, como Ele, O Boto, de Walter Lima Jr, A Terceira Margem do Rio,
de Nelson Pereira dos Santos, e Casa de Areia, de Andrucha Waddington –
mas menos uma consciência em busca de sintonia e mais uma ciência de um terreno
ainda a ser explorado, centrado na relação entre o homem e o fantástico da natureza.
A diferença é que, nos três filmes mencionados, independente de serem mais ou
menos felizes na execução de suas propostas, os realizadores parecem convictos,
antes de mais nada, de seus próprias escolhas. Já Odorico Mendes, nome mais conhecido
entre publicitários que entre os admiradores do cinema, mesmo já tendo realizado
uma produção parcialmente americana no Brasil (Discretion Assured, 1993,
com Michael York e Jennifer O Neill), e iniciado um filme com o grupo Negritude
Jr (Drama Urbano, do qual não se teve mais notícia), parece mais cover
de Hans Donner. editoria@revistacinetica.com.br
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