in loco - cobertura dos festivais
Desonra (Disgrace), de Steve Jacobs (Austrália/África
do Sul, 2008) por Julio Bezerra
Reverência
burocrática
Dirigido pelo sul-africano Steve
Jacobs, Desonra é uma adaptação da obra-prima homônima de seu conterrâneo,
o Nobel de literatura J.M. Coetzee. Traz a história do professor universitário
David Lurie (John Malkovich), que vê sua carreira desabar depois de um caso amoroso
com uma aluna. Despedido, decide visitar a isolada fazenda de sua filha Lucy.
Lá, distantes do resto do mundo, os dois são violentamente atacados por três jovens
negros. Aos poucos, os dramas pessoais parecem intrinsecamente conectados à conjuntura
de um país em transição, a África do Sul pós-apartheid. Filme e livro seguem como
um melodrama aparentemente clássico em suas estruturas. O drama nasce não exatamente
dos personagens, mas da maneira pela qual eles se ajustam às situações apresentadas.
Coetzee/Jacobs soltam suas criaturas no olho do furacão – há sempre algo que os
oprime, o clima inóspito, ofensas verbais, a violência armada, a pobreza material
e intelectual... Eles nos são dados a conhecer mais por suas atitudes do que por
descrições. E, definitivamente, não há heróis. Vale aqui
uma pequena digressão a respeito da noção de adaptação. Intrinsecamente ligada
às idéias de especificidade e fidelidade, a adaptação é, em certo sentido, um
termo vago. Designa a avaliação e/ou descrição do processo de transposição de
um romance para um roteiro e depois para um filme. Para o cineasta/roteirista
trata-se de uma obra fadada à comparação. É claro: a fidelidade ao original não
deve ser nunca o critério maior de juízo crítico: mais importante é o filme como
uma nova experiência, que deve ter sua forma e os sentidos nela impressos avaliados
em seu próprio meio de expressão. O que se preza é uma idéia de “diálogo”. Neste
sentido, em Desonra, o livro é ao mesmo tempo ponto de partida e de chegada.
O longa se afirma sempre como uma adaptação. Mas é curioso: essa extrema reverência
ao livro é ao mesmo tempo a grande qualidade do filme (pelo incrível enredo criado
por Coetzee) e seu calcanhar de Aquiles (transposto, esse enredo parece mutilado,
sem ritmo). Desde o início, Jacobs procede de maneira "objetiva", filma
mais o desenrolar da história do que as emoções e tensões que dela surgem. Desonra
se mostra paulatinamente incapaz de dar conta da dimensão humana de tudo que está
ali envolvido, pois organiza e encadeia sua narrativa de maneira burocrática.
Os planos são frouxos, os cortes conectam muito fragilmente as idéias, os personagens,
as ações, e os espaços. Alguns recursos de linguagem, como determinados travellings,
focos/desfocos e movimentos de grua, nunca se justificam exatamente, nem por funcionalidade,
nem efeito estético. O cineasta investe em uma aura de imponência, mas resvala
na impessoalidade. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
|