diário da redação
Young boy: o massacre e a mídia
edição de Eduardo Valente
Muitas vezes um acontecimento como o da semana passada
(o assassinato de vários estudantes pelas mãos de um colega numa
universidade americana) não nos permite sequer organizar um pensamento
coerente - e o que mais vemos por aí são os artigos supostamente
"pensados" escritos no calor da hora para causar choque (Renato Janine,
alguém disse?). Sem querer dar forma "final" a essas reações
de primeira hora que nos surgem, mas também sem querer se omitir de reagir
ao mundo, é que nos parece mais rico expor aqui nossas próprias
dúvidas, nossa própria estupefação - tanto quanto
aos fatos como quanto às reações a eles. *
* * De Leonardo Sette, 19/4, 20:24 (hora de Brasília) Inacreditável,
mas numa matéria sobre Virginia Tech do jornal de 20h da France 2 hoje, uma das
fotos enviadas por Cho Seung-Hui à policia é comparada lado a lado com o cartaz
de Old Boy (ambos com martelo na mesma posição), numa insinuação de relação
com a violência do filme, por causa da nacionalidade do estudante. Me faltou o
adjetivo agora; mas na hora em que vi fiz uma careta. Estou
(como todo mundo, imagino) muito impressionado com essa história, pensando nos
EUA, nas armas, Kennedy(s), Lincoln, Iraque, Scarface, Columbine... No meio disso,
me veio também uma associação de uma das fotos de Seung-hui com um filme, pensei
em The Great Train Robbery: ambos apontando o revólver pra câmera. Seria
mais por aí, acho, se fosse para tentar pensar essa faceta dos EUA. abraços,
L * * * De Ilana Feldman, 19/4, 21:15 Leo, Ele
chegou a apontar a arma diretamente para a câmera? Na foto que foi capa do Globo
de hoje, ele apontava o olhar, mas as duas armas, uma em cada punho, eram direcionadas
na diagonal. Claro que isso é detalhe, mas seria ainda mais pertubador se o gesto
da arma em riste fosse contra a lente, contra nossa pulsão de olhar. É perfeita
a associação com o The Great Train Robbery. Essa relação entre as tecnologias
da imagem e as tecnologias da guerra sempre me remetem ao Virilio em seu "Guerra
e Cinema". Cheguei a escrever sobre o livro no Trópico, citando o filme do
Porter e o desenvolvimento dos games simuladores nessa produção de uma "logística
da percepção". É muito aterrador essa emergência de uma criminalidade multimídia
que se (auto)pauta como imagem-acontecimento, mas é aterrador não porque seja
extraordiário, mas porque revela a própria lógica de funcionamento de nosso regime
de visibilidade espetacular. Vide 11 de setembro. Então talvez o que seja próprio
da cultura americana nem seja essa incorporação das estratégias midiáticas ao
crime, ou da influência delas na realização do crime, mas uma narrativa de efetivação
da vingança do ressentido por meio da realização de uma fantasia. Talvez seja
esse o ponto: uma lógica cultural que não discerne nitidamente as fronteiras entre
a vida e sua ficcionalização. Realização, então, do interdito: que é a fantasia
(e não o matar). bjos, ilana * * * De
Leo Sette, 19/4, 22:15 Entendo perfeitamente você perguntar
sobre esse "detalhe": a coisa ganha outra dimensão, e foi isso que me
impactou. Excelente o que você escreveu, traduziu melhor o que passou pelo meu
pensamento de forma desordenada durante o dia. Fiquei impressionado ao descobrir
esse kit midiático, por sinal enviado entre os dois ataques, que dá elementos
que fortalecem essa tua análise, como se a chacina fosse "apenas" a
plataforma de lançamento das imagens – que seriam elas mesmas "a obra"
em si... São 3h aqui e ainda não consegui dormir, com isso
girando na cabeça... beijo, Leo * *
* Eduardo Valente, 20/4, 12:15 Agora,
claro que a grande mídia sempre discute tudo, menos ela mesma. Mas, quando alguém
monta uma página como essa baseada
em material que um mass murderer manda no meio de um massacre para assim
"eternizar-se", isso não vale umas 500.000 vezes mais como incentivo
pro próximo do que qualquer filme jamais conseguirá? * *
* De Ilana, 20/4, 18:02 De um
artigo na Folha Online "Nos EUA cada empresa [de comunicação]
tem a liberdade de fazer o que acha ser o mais conveniente e confiamos no seu
discernimento". Essa frase é a súmula de toda a política
neoliberal de comunicação, lá e aqui, baseada no tal ""discernimento""
e ""bom senso"". Impressionante mesmo a ausência de problematização
da exibição do dito manifesto e o endosso em uníssono. Faltou, 'apenas', a publicação
na matéria dos índices de audiência durante a exibição do material.
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