diário da redação
Localizando a Tropa
edição de Cléber Eduardo e Eduardo Valente

Assim que saiu o resultado de Berlim (como se pode ver nos horários abaixo) começou na lista da Cinética uma discussão ao calor da hora, tentando começar a entender os sinais emitidos a partir deste prêmio. A mesma discussão desembocaria no texto de Cléber que acompanha esta edição, mas achamos que seria interessante disponibilizar aqui também esta conversa menos pensada, e mais corrida (como se pode ver pelo curto intervalo entre muitas da mensagens), para que o leitor veja o pensamento em andamento, enquanto ele corre.

* * *

Cléber Eduardo,  17/2/2008, 8:00
De Central do Brasil a Tropa de Elite, o que mudou, no Brasil, no cinema brasileiro, em Berlim?


Kleber Mendonça Filho, 17/2/2008, 8:28
Intensifica-se o binômio sertão e favela.


Cléber, 17/2/2008, 8:54
Sertão e favela não, Kleber, porque os dois filmes tem percursos de personagem para além do sertão e para além da favela. Se fosse só sertão o interesse de Central, não haveria filme, porque a Dora não faria o deslocamento, que é de fato o que importa no filme, menos o sertão em si e mais o olhar da mulher urbana para o entorno. O entorno é o sertão, mas o filme, antes de mais nada, é o amolecimento de uma mulher dura. Se fosse só a favela, Tropa de Elite nem cheiraria, porque a questão é ter relacionado favela/burguesia/polícia como parte de um mesmo câncer.

O que pode ter mudado, entre uma premiação e outra, com Cidade de Deus no meio, é um olhar. Central era o amolecimento, Tropa é enlouquecimento/endurecimento. Em Central, levava-se a vítima de um problema para fora do espaço do problema. Varria-se o sintoma para o lugar de onde ele não devia ter saido (exagero meu). Otimismo populista e culpado. Em CDD, o tumor era benigno (Buscapé) e maligno (a favela), um ficou bom, outro só piorou. Otimismo cínico. Em Tropa, o problema está em todo lugar, não se sabe quem é vítima, quem não é, não existe tumor bigno. É preciso de rodo, sabão, escova, não basta varrer para longe com delicadeza.

Pergunto de novo: mudou um tom no cinema brasileiro, mudou um tom no Brasil ou mudou um tom em Berlim? Repito: os valores e contextos em jogo na ocasião de Central do Brasil não são os mesmos valores e contextos em jogo agora com Tropa de Elite. Concluindo: naquele ano de Central, Tropa não poderia ser premiado (levadas em conta para fora daqui o fato de serem dois júris diferentes e candidatos/concorrentes distintos), assim, como nesse ano de Tropa, Central não poderia ganhar. Estou levando em conta, ai sim talvez com pouco de desperdício, que júris não escolhem "melhores filmes", mas filmes que eles acreditem que seja necessário premiar naquele momento, com os motivos que podem ser os mais absurdos, mas sempre querendo dizer algo com a premiação.

Portanto, mudou o paradigma de filme brasileiro com o qual júris de Berlim querem dizer algo. Isso muda de júri para júri. Mas importa o efeito, se o tom torna-se o paradigma (não modelo a ser copiado, mas paradigma mesmo). Acho isso mais importante que a favela ou o sertão. O Olhar.


Leonardo Mecchi, 17/2/2008, 10:56
Pois eu me arrisco a dizer que, não houvesse CDD (e, mais ainda, não tivesse o filme de Meirelles passado em Cannes hors concours, sem direito a premiação, para depois se tornar fenômeno mundial), não haveria Urso de Ouro para Tropa de Elite. Não duvido que seja, de certo modo, um receio de se deixar passar em branco o "novo Cidade de Deus" (como, aliás, o filme foi chamado em algumas críticas da Berlinale).

Nesse sentido, o que mudou na visão (e expectativa) do olhar estrangeiro – aqui representado pelo júri de Berlim – para o cinema brasileiro é que não há mais espaço para a contemplação, para a tentativa de uma reconciliação apaziguante com um "país profundo", pré-industrial, naïf (Central do Brasil). Agora é o momento do confronto e conflito da urbanidade intolerável e insustentável (aqui as drogas e a guerra civil não-declarada do eixo RJ-SP, que ecoa sentimentos similares de incompreensão e ausência de soluções na França das revoltas dos argelinos de segunda geração, na Alemanha do recrudescimento neofascista, nos EUA do belicismo high school). Com a diferença que em nosso cinema isso se dá com o acréscimo de uma selvageria (tão condizente com uma imagem que se tem de nós desde sempre) não apenas dramático-narrativa, mas estética, de câmera nervosa, fotografia auto-consciente e montagem febril (CDD e Tropa de Elite).


Paulo Santos Lima, 17/2/2008, 11:40
O mais curioso é que as pessoas vinculam o júri ao resto, ou seja, o filme dividiu opiniões (a maioria, negativas) entre imprensa etc, e julgaram que o júri tivesse achado o mesmo. E eu não consigo alinhavar o CB e CDD com Tropa de Elite, que faz parte de outro momento histórico do cinema brasileiro no mundo. Houve a "descoberta antropológica" de CB. Mais tarde, a constatação de um "cinema brasileiro do e para o mundo" (CDD). Tropa de Elite é o quê? Sinto a discussão dele ainda afinada com as manchetes jornalísticas, mas parece um produto sem o "suor" brasileiro (CDD, à la Scorsese + indie, tinha algo de "brasileiro"), mais um filme B de ação.


Cléber, 17/2/2008, 12:31
Alinhavar é diferente de colocar as diferenças em relação. É de diferenças, e não de convergências, que se falava até agora. Você fala em "descoberta antropológica" com Central, mas não há nenhuma antropologia como proposta e dinâmica, há um melodrama de adocicamento em um cenário de alguma pobreza. Esse papo de "suor brasileiro" é abstração. O que é suor brasileiro?

Tropa significa o muro. Veja o plano final. Não há lavagem de consciência e sentimentalismo possível, não há cinismo possível e performance narrativa possível, só há constatação de metástase e uma reação individual-oficial sem negociações. Há um percurso.


Paulo, 17/2/2008, 21:39
Cléber,

Alinhavar no sentido do que fez esses filmes repercutirem, serem premiados etc.

Descoberta antropológica, com aspas, no sentido de se descobrir um "filme genuinamente brasileiro, falando de algo tipicamente brasileiro" (com todas as aspas possíveis), e em momento algum eu disse que o filme era o que você faz parecer que eu disse que era.

Agora, o que eu falo não é sobre mim, mas como me parece que é a recepção desses filmes lá fora, que era o que está em pauta, sobre esse filme ganhar o prêmio máximo em Berlim.


Leonardo Sette, 18/2/2008, 15:07
Também sempre vi o filme assim, um filme B de ação, daqueles que passam em ônibus interestaduais... Charles Bronson, Desejo de matar 3 ou 4... CDD seria o lado A, tem algum frescor, algum brilho. Sigo vendo T de E como um subproduto de CDD, ou franchising, algo assim.


Cléber, 18/2/2008, 16:20
A chapa esquentou com Padilha, quando, com Karim, tinha encontrado uma fresta para respirar. Talvez haja hoje, sobretudo, dois olhares em jogo: o que encontra um ponto de fuga e o que não encontra nada, ou encontra apenas o confronto como solução para quando nada mais funciona.


Paulo, 18/2/2008, 16:39
Agora, sendo sintético, o que falei naquele e-mail era sobre uma possível recepção e percepção das pessoas, jamais a minha, que passa longe desta coisa de encontrar "brasilidade", uma vez que todos os filmes produzidos no país, com equipe brasileira, concebido aqui e tal, é brasileiro. Se ele dialoga com outros cinemas do mundo, isso é mais que normal, e não é assim tão bizarro, já que nosso cinema sempre teve diálogo (maior ou menor, atrasado ou no momento) com outros cinemas.


Fevereiro de 2008

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