diário
da redação De volta ao
Nevoeiro edição de Eduardo
Valente Gozado
como funciona a dinâmica de uma redação. Muitas vezes um determinado filme não
esgota todos os debates possíveis sobre ele entre os redatores simplesmente por...
não ter sido visto. Foi o caso, por exemplo, com O Nevoeiro, filme que
teve uma passagem bastante curta pelo circuito nacional, em especial o paulista.
Daí que, mesmo que tenhamos publicamos dos textos sobre o filme de Frank Darabont
nas críticas, ainda assim os redatores sentiram-se impelidos a uma intensa troca
de idéias (notem pelo horário que os emails circularam em pouco mais de uma hora)
a partir do acesso a ele em DVD já depois da virada do ano.*
* * Cléber Eduardo, 19/2/2009, 22:26Vi
com atraso o Trovão Tropical e O Nevoeiro, os dois muito interessantes,
mas aos quais vejo com meio pé atrás, Trovão Tropical pela própria proposta
em grande parte (com a qual eventualmente trombo), O Nevoeiro pelos problemas
que limitam a proposta (certo enrola-enrola entre 60 e 100 min, quando se precisa
justificar os efeitos, dando visibilidade aos insetos). Talvez o primeiro tenha
problemas em ser o que é, ao passo que O Nevoeiro tem esses problemas,
embora também tenha pontos de interesse e de energia que sejam bem mais intensos
que os problemas. Se Shyamalan sempre escorrega nos desfechos, com exceção de
A Vila, Darabont tropeça lá pelo miolo. * * *
Paulo
Santos Lima, 19/2/2009, 22:34 E faz um puta final bom,
à parte o pensamento que está implicado nele (que, no caso, não é um problema
de cinema, mas sim um problema de princípios meus... ou seja, não atenta contra
o filme, que é muitíssimo notável). Mas por que mostrar os monstros estraga, Cléber?
Por que não pensamos que, ao não mostrar, isso sim seria de repente uma saída
mais conveniente. A dimensão de horror está mais na confirmação de que aquelas
coisas existem, são confirmadas como presenças, sendo que o grande debate, primeiramente,
é se tem mesmo monstro ou não. Depois vem o 2o round do entrevero. É uma guerra
de lideranças. * * * Cléber Eduardo,
19/2/2009, 22:56Paulo, a questão não é mostrar qualquer
monstro, em qualquer momento, mas precisar de injeções no miolo, especificamente
nos casos dos insetos que entram no mercado e depois na ida deles a farmácia.
O problema para mim não está em mostrar ou não, mas em mostrar para cumprir uma
duração, para tocar a bola no meio de campo antes de ir para o ataque final. É
menos questão de vidência e mais de estrutura e dramaturgia. Ou de necessidade
de gastar o dinheiro dos efeitos e a tecnologia empregada. Para mim, a espera
dos ataques e a guerra interna da direita com medinho é o que move o filme, ou
seja, quando o filme traz a campo o que já está nele, mas vai se acirrando progressivamente,
até aquele tiro na religiosa, que é uma parada forte, política, muito mais que
incriminar militares. O que digo é que a grande ameaça mostrada está dentro do
mercado e não fora dele, e acho que isso poderia ser mais explorado com maior
contenção de idas e voltas, de insetos e insetos. * * *
Leonardo Mecchi, 19/2/2009, 23:01 Curiosamente
também só vi O Nevoeiro semana passada (e acabo de assistir – e ainda estou
sob o impacto de – Cloverfield). Sim, momento "vamos matar os filmes
que ficaram para trás ano passado". Também acho que
O Nevoeiro se perde muito no meio do filme (e a cena da farmácia é a mais
emblemática nesse sentido) e, me desculpem, mas compará-lo a Fim dos Tempos
se aproxima de uma blasfêmia, tamanha a diferença entre ambos, a meu ver. É verdade
que a cena final é foderosa, mas melhor seria se terminasse 2 minutos antes, com
o cara saindo do carro para um mundo devastado do qual não sabe o que esperar
(e do qual não espera mais nada que não uma morte mitigante). Na verdade, podia
até terminar com tudo resolvido se fosse o caso, para manter a força e o impacto
das consequências da decisão do cara, mas que se resolvesse da mesma maneira misteriosa
com que tudo começou (como uma névoa que se dissipa), mas terminar com o exército
salvador é uma bomba, o que me leva a uma questão sobre o filme que não li em
lugar nenhum: é um puta filme retrógrado! Quase um réquiem laudatório e lamentoso
do fim da era Bush. Se não, vejamos: a ciência em seu impeto
de desbravar fronteiras cria aqueles monstros e, consequentemente, a quase derrota
da raça humana. A fé cega e histérica, embora incompreendida pelos racionalistas
e intelectuais – a ponto de gerar seu próprio mártir -, prevê sempre e corretamente
a desgraça daqueles que não se colocam em seu lugar e optam por enfrentar ao invés
de temer a Deus (e aqueles que seguem seus preceitos e ficam no supermercado acabam
por se salvar). E ao final, embora mal interpretadas num primeiro momento, as
forças armadas acabam se mostrando a única real e concreta chance de salvação
física (pois a espiritual está nas mãos da tal fé cega e histérica). E
o que não é aquele final se não um castigo do filme para o personagem principal
- homem de pouca fé, que negou sua salvação ao sair do espaço fechado e seguro
para enfrentar o desconhecido em sua arrogância e prepotência de ser humano -
a quem nem mesmo a morte lhe é concedida, mas ao invés disso uma vida de culpa
e arrependimento. E um olhar julgador em plongée da câmera, antes de abandoná-lo
para enaltecer o exército que nos salvou. Francamente... *
* * Fábio Andrade, 19/2/2009, 23:32Mas
qual a diferença entre a cegueira pragmática e a cegueira religiosa, Leo? Pra
mim, aí está a questão central do filme – que faz uma operação bastante complexa
de ponto de vista, de desconstrução de linguagem mesmo. Por que o protagonista
é a visão certa, a correspondente ao filme, a que deve ser salva no final? Pra
mim a grande semelhança com Fim dos Tempos não está nele, mas sim na mãe
que sai pra salvar as crianças, e aparece viva no final. Aí não é uma questão
de política, mas sim uma questão de virtude. A política se encerra dentro daquele
microcosmo; fora dali, é bicho, é mundo selvagem – daí os insetos me parecerem
necessários. E o exército no final me parece mais um símbolo
de salvação do que propriamente um discurso político. Não vejo tanto a intenção
do Darabont de, à Casa de Areia, exaltar a grande solução militar (lembremos
que eles são um dos possíveis culpados), mas sim de trabalhar com um signo plenamente
reconhecível de restabelecimento da ordem. Acho que chamar esse uso de retrógado
um pouco como acusar Rossellini de conservador por usar a religião como imagem
de epifania no final de Viagem à Itália. Ali me parece muito mais uma imagem
forte enquanto símbolo que vá se comunicar com os espectadores, do que como uma
alegoria política – se é que consegui deixar clara a diferença. *
* * Cléber Eduardo, 19/2/2009, 23:45 Se formos
para a análise textual, os militares aparecem para tentar consertar o que criaram,
o que é bem típico de militares americanos. Mas eles estão ausentes o filme todo,
nem se movem dentro do mercado, deixam os civis assumirem o comando. O único deles
com direito à cena poderia estar em Orlando, da Sally Porter, tanto que
é maquiado e mostrado como um emo no Exército. E que salvação pode ser essa se
quase todos os personagens (reconhecíveis) morrem? A imagem
da mãe com as crianças, sim, é uma grande imagem, porque, desrespeitando a todos
e agindo como se deve agir, ela tem direito a seu prêmio. E essa imagem logo após
o pai matar o filho: putz! Se formos pensar em política, toda direita se fode
ali, e ver que a confirmação das profecias da maluca religiosa como legitimação
da fé louca dela é ignorar como a religião se constrói em cima de acasos ou situações
lógicas usadas como parte da pauta e das previsões. Tanto é que o protagonista
prevê o comportamento dela e dos demais que irão segui-la sem precisar ser religioso.
Questões de lógica Bom, eu acho que os melhores momentos
de Fim dos Tempos são melhores que os melhores de O Nevoeiro, porque
em um me sinto em um mundo à parte dentro do mundo e no outro me sinto em um mundo
do cinema anterior ao filme (com lembranças de Carpenter, Romero, até Hawks).
Mas a comparação é menos pela envergadura de cada um e mais pela diferença de
problemas que ao meu ver comprometem ambos. Eu acho que eles deveriam se preocupar
em dirigir e deixar o roteiro para mais alguém. Acho que vou sugerir isso a eles. Abril
de 2009
editoria@revistacinetica.com.br |