Diário
de Sintra, de Paula Gaitán (Brasil,
2007) por Eduardo Valente Filme-sombra
Até
hoje, volta e meia se utiliza a expressão “viúva de Glauber” para descrever (na
maioria das vezes, pejorativamente) alguns cineastas cujos procedimentos formais
e/ou discursos seriam devedores da potência estética e da fala/pensamento de Glauber
Rocha. Pois, Diário de Sintra dá um novo significado à expressão na medida
em que é verdadeiramente um filme de uma viúva de Glauber – só que a verdadeira
viúva, a que era sua mulher quando de sua morte, Paula Gaitán. No
entanto, se o termo de “filme de uma viúva” se aplica perfeitamente aqui, isso
certamente se deve muito menos a um débito de Paula para com a estética ou o discurso
glauberiano (já que Paula já possuía uma estética própria que tem perseguido ao
longo dos anos em seus trabalhos mais próximos da videoarte que do cinema), mas
principalmente porque seu filme assume ser um filme de uma mulher apaixonada pelo
seu homem perdido em algum momento. Não por acaso, aliás, a idéia de viúva está
na própria narrativa do filme, onde é referida como alguém que vive na sombra
– não sob o peso da memória, mas sob o efeito da perda. Nesse sentido, Diário
de Sintra é, sem dúvida, um filme-sombra (e nada mais bonito então que as
mãos em sombra que tentam se tocar sem poder – pois uma está no passado – foto
– e outra no presente). A
partir de um material da família (super 8 e fotos), Paula empreende em Diário
de Sintra uma mistura de filme caseiro com travelogue, como que tentando
procurar, na Sintra onde Glauber se retirou com a família logo antes de sua morte,
vestígios do homem e de sua passagem pelo mundo (bonitas as entrevistas com os
locais querendo saber se eles reconheciam Glauber nas fotos). Desta maneira, consegue,
por incrível que pareça, apresentar um Glauber que nós mesmos ainda não conhecíamos,
naquela figura barbada que brinca com os filhos nas praias portuguesas. Um homem
de família, terno, mas que carrega uma inegável angústia no rosto (compreensível
para os que conhecem o seu trajeto cinematográfico, especialmente naquele momento). O
tempo todo o filme trabalha na chave da resignificação: como transformar aquelas
imagens antigas, que seriam de “consumo” caseiro, em material estético para consumo
externo, para exibição para um público? Como tornar o sentimento pessoal potência
fílmica? Paula tenta uma série de caminhos, e entre eles os mais emocionantes
talvez sejam as curtas conversas com os amigos que estiveram com eles em Sintra.
É um filme que, no estilo de Paula (cuja influência já tínhamos sentido no Rocha
que Voa, filme-irmão deste aqui, realizado por Eryk Rocha, filho de Glauber
e Paula), constrói uma série de camadas visuais e sonoras em busca da mistura
entre passado, sonho, imaginação e real, que presentifique um homem, talvez permitindo
uma cerimônia final de seu luto – e aqui o filme também nos faz lembrar, não sem
emoção, do Floresta dos Lamentos, de Naomi Kawase. Setembro
de 2007
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