Dia de Festa, de Toni Venturi e Pablo Georgieff
(Brasil, 2005)
por Francis Vogner dos Reis

Uma questão de escolha

Não só o cinema, mas todo trabalho artístico é, essencialmente, uma questão de escolha: onde colocar as coisas, o que tirar, qual a ordem dos elementos? Cabe saber, ou intuir, a qual vida o material “aspira”. Escolher um ponto de vista é abrir mão também de uma outra idéia. Às vezes um filme, como é o caso em Dia de Festa, mostra pequenas brechas involuntárias que, se exploradas, poderiam traçar caminhos estéticos mais estimulantes do que os que foram realmente percorridos pelos cineastas.

O filme de Toni Venturi e Pablo Georgieff aponta para uma série de possibilidades interessantes e, entre as tantas escolhas possíveis, se orienta num relato simpático ao Movimento dos Sem Teto do Centro, defendendo sua causa – respaldado por dados sobre o número de prédios abandonados e pessoas morando nas ruas. Nada mais justo e legítimo.  Mas fica a impressão de que a adesão irrestrita  dos cineastas ao movimento impede que as imagens – de forma geral – tenham uma sobrevida. É uma questão complicada, porque ao falar sobre “cumplicidade” e “ponto de vista”, pode-se incorrer no discurso equivocado (ético e estético) da abordagem “certa e errada”.

Existe ali uma tentativa de reconstituir, por meio dos relatos das militantes, suas experiências, referências, visões de mundo e as ocupações nos prédios vazios do centro de São Paulo, evento que os militantes chamam de “dia de festa”. Os diretores escolhem os relatos de algumas mulheres da liderança do movimento (Neti, Ednalva, Silmara e Janaína) e a partir delas estabelece uma espécie de composição de valores que as orientam. Elas seriam uma espécie de “consciência” do Movimento Sem Teto.

Essa é basicamente uma das limitações auto-impostas por Dia de Festa. Como trabalho “cúmplice” do MSTC, o ponto de partida do documentário de Venturi e Georgieff, é o de justificar a causa e direcionar o foco para todas as falas e situações que mostrem o quão legítimas são aquelas ações. Com isso, o filme seria só uma peça de propaganda se não houvesse algo mais ali. E é ai que entra a questão das “escolhas” do cineasta. O problema, em princípio, não é o documentário tomar partido do movimento, mas a maneira como isso se perpetua. Ou seja, fazendo um recorte que subordina as imagens (sobretudo as entrevistas) a uma questão às vezes muito funcional, acaba ignorando questões do movimento para além da reivindicação. Esse é o ponto: em muitos momentos, Dia de Festa revela imagens do cotidiano, das ocupações e da cidade de São Paulo que transcendem a simples idéia de “filme-causa”.

Assim, ao mesmo tempo em que temos o interesse maior pela causa da moradia, parece haver outro interesse – belo, mas mal resolvido – em localizar esses “sem teto” no cotidiano da cidade de São Paulo. As cenas da São Paulo noturna ou o horizonte da cidade visto de longe, ou mesmo algumas das cenas cotidianas das ocupações, nos revelam um ponto de vista desse espaço urbano, que, se não é inédito para muita gente, fala mais sobre a condição das pessoas que compõem o movimento (de inserção na vida da cidade ao mesmo tempo e de um “não-pertencimento”) do que as entrevistas didáticas. Por isso, nos parece que Dia de Festa é um filme  de possibilidades, no qual as mais desafiantes não foram levadas a cabo pelos cineastas Toni Venturi e Pablo Giorgieff.

 

 


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