in loco - festival de brasília
2009 Segundo dia: João Gilberto e
seu Evangelho das maravilhas por Francis Vogner
dos Reis
Filhos
de João – Admirável Mundo Novo Baiano, de Henrique
Dantas (Brasil, 2009)No
início era o Verbo. E esse verbo era João Gilberto que, apesar de ausente como
entrevistado, é presença latente, não só no filme de Henrique Dantas, mas na trajetória
dos Novos Baianos e da cultura brasileira moderna. A sua importância seminal –
e Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano compreende isso – é que,
além de sua obra pessoal e influência sobre outros artistas, ele é uma “presença”:
mais do que uma figura, mais do que simplesmente um personagem fundamental para
Roberto Carlos, Caetano, Novos Baianos, Rogério Sganzerla, etc. Se não é ele quem
aponta o caminho para o admirável mundo novo de Moraes Moreira, Baby, Pepeu, Galvão,
Paulinho e Cia, é a “presença” dele que dá uma dimensão mais radical aos rumos
dos seus discípulos. Henrique Dantas consegue fazer um filme
sobre os Novos Baianos e, ao mesmo tempo, trabalhar a partir do legado de toda
uma cultura urbana do underground baiano dos últimos quarenta anos. Pelo
fato de ser um documentário que conta com muitos depoimentos, a primeira impressão
pode levar a pensar que o filme opta pelo convencional para falar do não-convencional
(o que, em alguns momentos, não deixa de ser verdade). Mas existe nas escolhas
de Dantas uma particularidade de “filme feito no quintal”, um prazer em deixar
vazar no documentário imagens variadas, desde os garotos jogando bola na rua,
passando pelas ruas de Salvador, cenas de Caveira My Friend, de Álvaro
Guimarães; Meteorango Kid, o Herói Intergalático, de André Luis Oliveira;
O Superoutro, de Edgard Navarro e imagens de arquivo dos Novos Baianos.
Ou seja: não é só um documentário sobre João Gilberto e os Novos Baianos: é bom
lembrar do título do filme, é também sobre o Admirável Mundo Novo Baiano. Apesar
de ser um documentário com limitações bastante evidentes pelo fato de trabalhar
a partir desse formato de depoimentos+imagens de arquivo, ele é muito honesto
ao conjugar esses elementos sem tentar fazer da estética libertária daquele período
a estética de seu filme (a emulação, afinal, também é convencional). Se em muitos
momentos Dantas lança mão de alguns enquadramentos em plano-detalhe, câmera vacilante
e imagens bastante peculiares (o sexo de um bebê é uma delas), essas escolhas
não existem em função de responder diretamente às questões que os seus personagens
abordam, nem tentam ilustrar qualquer coisa. Muitas delas integram uma atmosfera
poética – o que não quer dizer que haja poesia visual barata, típica de documentários
“artísticos” –, de curtição e inocência (que não significa ingenuidade). Uma inocência
fundamental, sem a qual não existe arte e sem a qual a vida não vale a pena. Se
João potencializou isso nos Novos Baianos, que viveram isso em abundância, coube
a Dantas pedir a benção. * * * Homem
Bomba, de Tarcísio Lara Puiati (RJ) Amigos Bizarros do Ricardinho,
de Augusto Canani (RS) Existem duas convenções geralmente
perseguidas por grande parte dos diretores de curtas. A primeira é a de que o
formato solicita uma apuração formal que precisa ser breve para que, em seu curto
tempo de duração, ele consiga ser pleno. A segunda diz respeito às breves historinhas
que, se costuma dizer por ai, “dão um curta”. Curiosamente ambas estiveram em
exibição na primeira noite da competição dos curtas em 35mm aqui em Brasília.
Homem-
Bomba, de Tarcísio Lara Puiati aposta em um apuro e uma rarefação formal que
possam resolver brevemente o que coloca em cena. Dois meninos de fuzil que ficam
no alto do morro observam o movimento e falam sobre matar e morrer a partir do
cotidiano da favela e do tráfico. O diretor Puiati trabalha basicamente com dois
tipos de composição: uma frontal dos garotos, outra que é um plano geral que os
enquadra de costas em frente ao mar e à lateral do morro. É a objetividade do
fato, aliada à subjetividade da fala dos garotos. Talvez o problema esteja justamente
nessa matemática que distingue, com demasiada clareza, a função de suas operações
– narrativa e formal – com a busca do efeito estético. Como sintoma, Homem-Bomba
possui um sentimento melancólico que vários filmes cariocas contemporâneos possuem,
ao sentir a violência como uma espécie de eminência parda em toda e qualquer situação
cotidiana. Não é uma violência de catarse, mas de assombração. Já
Amigos Bizarros do Ricardinho, de Augusto Canani, desfruta de todos os
elementos que tornaram o cinema pós-Jorge Furtado – não só o gaúcho e nem todo
o gaúcho, mas especialmente ele – num cinema de mecânica de roteiro que soma rapidez
de pensamento a uma lógica interna que acumula e soma imagens responsáveis por
responder à narração. Por fim isso faz distinções entre o referencial narrativo
e o imagético ao menos no caso de Jorge Furtado que, mesmo com suas limitações,
entende esse efeito e tripudia em cima dele.Só que o filme de Canani se
utiliza desse mecanismo como princípio, não como fim, e assim seu resultado escapa
à saturação e monotonia dos filmes de Jorge Furtado e seus asseclas. Amigos
Bizarros de Ricardinho consegue um resultado estético efetivo por um motivo:
não aposta somente na habilidade (e velocidade) desse dispositivo, mas em como
isso se organiza internamente nas implicações da cena. A aeróbica narrativa e
a “narração de matraca” nunca se sobrepõem ao trabalho de cena. Há um timing
cômico que sabe que o humor só existe se é uma verdade “factual”, e não abstrata
e presa à rapidez de pensamento, como em Furtado. Isso necessariamente o afasta
deste e o aproxima, por exemplo, de Wes Anderson. Isso é animador. Novembro
de 2009editoria@revistacinetica.com.br
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