in loco - festival de brasília 2007
Sexto dia: Chega de Saudade - uma decepção desconfiada
por Cléber Eduardo


A noite de domingo foi, para esse crítico, a mais decepcionante do Festival. Se os curtas vinham mantendo bom nível médio, caíram bastante com Tarabatara, de Julia Zakia, e Eu Sou Assim - Wilson Batista, de Luiz Guimarães de Castro, conforme analisaremos no artigo de balanço do evento. Já o longa, Chega de Saudade, de Lais Bodansky, que poderia confirmar a diretora como um dos mais valiosos talentos da geração de cineastas surgidos nos anos 2000, colocou mais interrogações do que certezas.

O filme organiza-se como soma de uma série de conversas e imagens de dança durante uma noite. Passa-se em um salão onde homens e mulheres maduros bailam e mostram jogo de cintura para serem soterrados por seus problemas. Depois de trabalhar no risco dramático em Bicho de 7 Cabeças, com um material potencialmente estereotipável e esteticamente contundente, Lais transfere agora o risco para a resolução do espaço. Não é simples a filmagem em amplos ambientes com poucos anteparos e paredes como referência física. Opta-se, sobretudo, pelo plano fechado, e pelos movimentos. Se esse é o desafio em matéria de resolução visual, as experiências humanas, apesar de delicadas, esvaziam um tanto da complexidade proposta. O encontro entre corpos com histórias de vida, ainda com sede de ação e emoção, mas com o acúmulo do bom e do ruim na vida, soa bastante organizadinho, com manifestações da presença do roteiro a fechar a brecha para se dançar junto com aqueles personagens 

Com música quase o tempo todo e câmera empenhada na mobilidade, Chega de Saudade, apesar de sustentar o efeito de potência da vida bem para além da juventude, depende dos jovens para construir articulação dramática. É em cima dos personagens de Maria Flor e Paulo Vilhena, os mais jovens do baile (ele trabalhando, ela de acompanhante), que se estrutura o núcleo mais preciso do filme. Há no ciúme dele, quando a vê com um pé de valsa bom de lábia (Stepan Nercessian), um trampolim dramático, por sua vez convertido em elaborados momentos visuais. Troca de olhares, ambigüidade, sensualidade, afeto, ciúme. Maria Flor e Stepan compõem um par de dança cheio de sutilezas no ar, cheios de sonhos, dúvidas e frustrações, que são intuídos e observados pelo enciumado Vilhena. É especialmente inspirada a seqüência na qual eles dançam até sumirem por trás de uma pilastra pela ótica subjetiva de Vilhena. Cássia Kiss completa esse núcleo com sua carência, solidão e constatação de seu momento, colocada de lado pelo homem a quem deseja por conta de um corpo e de uma sensibilidade jovem.

Talvez o restante do filme não esteja à altura desse núcleo, mas sobre isso temos de refletir com mais calma. Há um excesso de troca de informações verbais e poucas operações expressivas na imagem. Em matéria de impressões iniciais, só se pode afirmar, por enquanto, que nenhum filme foi tão inferior à expectativa anterior à sessão. Seria o problema da expectativa? Ou um desejo de sair do universo de rupturas e mágoas de Bicho de 7 Cabeças, onde a maturidade paterna era a opressão e a materna era a resignação, para um universo onde o acúmulo de experiência é antídoto para quedas?

Novembro de 2007

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